O governo Lula (PT) impôs sigilo à lista de passageiros que acompanharam o presidente em agosto em um voo de Santiago (Chile) para Brasília, com uma parada de apenas 10 minutos na cidade de São Paulo.
O Palácio do Planalto não explica o motivo da descida na capital paulista. O avião presidencial costuma parar para reabastecimento em viagens de longa duração, o que não se aplica a esse voo. Além disso, paradas operacionais costumam levar até uma hora, e não apenas alguns minutos.
Reservadamente, interlocutores do governo levantaram suspeitas de que a escala foi realizada apenas para uma carona. A primeira-dama, Rosangela Silva, a Janja, estava em São Paulo no período.
Ela e o Planalto foram procurados, mas não responderam à reportagem.
Com a imposição do sigilo à lista, não é possível afirmar que a mudança de trajeto no voo presidencial tenha sido motivada por alguma carona.
Lula foi ao Chile para encontro bilateral com o presidente Gabriel Boric.
Após pedido da Folha por meio da Lei de Acesso à Informação, o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) afirmou que a solicitação se enquadra no primeiro nível de sigilo da legislação, grau reservado, que prevê a disponibilização da resposta ao final do mandato.
O órgão, responsável pela logística das viagens presidenciais, fundamenta a justificativa com base no artigo 25 do decreto 7.724/12.
O GSI cita trecho do artigo que fala em “dados e conhecimentos que podem pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares”.
O ministério disse ainda que a listagem poderia ser disponibilizada pelo gabinete presidencial “se for o caso”. Procurado, o Planalto não prestou a informação e disse que não comentaria o pedido via LAI.
O decreto em questão trata da classificação, do grau e do prazo de sigilo no acesso à informação.
O texto diz que são passíveis de sigilo dados cuja divulgação possa pôr em risco a defesa e a soberania; prejudicar a condução de relações internacionais do país; pôr em risco a vida, segurança ou saúde da população, entre outros.
Lula viajou com uma comitiva de 14 ministros e mais assessores para Santiago em agosto, onde participou de uma visita de Estado que durou cerca de um dia e meio. Além da reunião bilateral fechada com Boric, os dois líderes também assinaram 19 acordos e outros atos em diferentes áreas, como turismo, ciência e tecnologia, defesa e direitos humanos.
O petista chegou à capital chilena no dia 4, um domingo, e a agenda começou na segunda-feira, com visita a Boric. Depois, teve agendas no Senado e na suprema corte do país.
Deixou Santiago na terça-feira, às 15h, acompanhado de auxiliares e ministros. Segundo a agenda oficial, no retorno ao Brasil, Lula passou por São Paulo, onde chegou às 19h50 na base aérea de Guarulhos. Dez minutos depois, partiu para Brasília. Na época, o Planalto já não havia explicado o motivo nem quem acompanhava o presidente no voo.
Uma decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) tomada em maio permitiu o sigilo dos voos realizados em aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) por altas autoridades.
O órgão de controle entendeu que podem esconder os voos o vice-presidente da República, os presidentes do Senado, da Câmara dos Deputados e do STF (Supremo Tribunal Federal), bem como os demais ministros da corte e o procurador-geral da República.
O argumento do TCU é de que a divulgação das informações poderia prejudicar a segurança das altas autoridades. Nesse caso, a LAI prevê uma exceção na transparência das informações públicas.
O tribunal, entretanto, não especificou como a divulgação dos voos após a sua realização poderia afetar a segurança dessas autoridades.
Reportagem da Folha mostrou que, nos primeiros sete meses do atual mandato de Lula, em ao menos 11 casos ministros do governo e o vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), levaram suas esposas de carona em voos da FAB (Força Aérea Brasileira).
As listas de passageiros das aeronaves, obtidas pela reportagem por meio da LAI, mostram que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), esteve acompanhado em ao menos nove voos por sua esposa, a secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde, Ana Estela Haddad.
MARIANNA HOLANDA E RENATO MACHADO / Folhapress