SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A próxima segunda-feira (15) será o último dia do jornal guatemalteco elPeriódico, diário que em seus 27 anos de existência desbaratou diversos casos de corrupção no pequeno país centro-americano –feito que lhe deu relevância, mas também parece ser a causa do seu fim.
O jornal há meses vinha sofrendo pressão do governo Alejandro Giammattei, que cumpre desde 2020 um mandato repleto de escândalos, como suspeitas de subornos em obras públicas e possíveis irregularidades eleitorais. Em 2021, o presidente chegou a ser investigado pelo Ministério Público por supostamente receber propinas de empresários russos em troca da concessão de um porto.
Tal desgaste levou Giammattei a empreender, ao lado da Procuradoria-Geral, uma ofensiva contra Judiciário e imprensa, em guinada autoritária coroada com o anúncio do fim do elPeriódico.
“Até o momento, quatro advogados nossos foram detidos, dois deles ainda em prisão preventiva, e seis jornalistas e três colunistas estão sendo investigados”, afirmou o jornal, em nota publicada nas redes sociais nesta sexta (12). Os números significam que, da Redação de 30 pessoas, quase um terço está na mira da Justiça. “Com profunda tristeza, nos vimos obrigados a suspender a edição diária do elPeriódico.”
O jornal é reconhecido internacionalmente por seu trabalho investigativo. Em 2021, recebeu o título de mídia de destaque da Iberoamérica. Na ocasião, foi o rei da Espanha, Felipe 6º, quem entregou a distinção ao presidente do jornal, José Rubén Zamora –profissional reconhecido pelo prêmio Maria Moors Cabot de jornalismo da Universidade Columbia.
Pouco mais de um ano depois, em julho de 2022, o jornalista seria preso, e a sede do jornal, invadida. Ele é investigado por lavagem de dinheiro, chantagem e tráfico de influência –acusações baseadas em evidências reunidas em 72 horas, segundo a mídia local.
Preso há 10 meses, Zamora viu colaboradores e anunciantes do seu jornal serem perseguidos, o que impactou o orçamento do diário. Mesmo após uma intensa campanha de financiamento, em novembro do ano passado o jornal decidiu interromper sua versão impressa e cortar 80% dos funcionários. “Pensamos que poderíamos nos adaptar, nos transformar e sobreviver”, afirmam na nota desta sexta.
Nessa empreitada para salvar o jornal, os filhos de Zamora somaram esforços à equipe. Segundo um deles, o antropólogo e pesquisador Ramón, foi possível manter a operação no começo, apesar da coação. “Nos primeiros três meses, contas nas redes sociais monitoravam e tiravam prints das empresas que nos apoiavam, em um ataque coordenado”, conta.
Nesse período, além dos nove funcionários investigados, três advogados de defesa de seu pai e um tio foram detidos, situação determinante para fechar o elPeriódico. “Podíamos dar conta da parte financeira, para isso sempre se encontra um jeito. Mas também há uma questão de segurança, e não queríamos que perseguissem mais jornalistas.”
“A Guatemala está vivendo uma ditadura multipartidária, que decide a cada quatro anos quem vai ser o líder”, afirma Ramón. “O fim do jornal é uma mostra da deterioração da democracia aqui. Estamos perdendo um espaço de debate e pluralidade de um país que tem um dos indicadores de corrupção mais altos do mundo. Perde-se um fiscalizador.”
Outra marca da gestão de Giammattei foi o desmantelamento do Cicig (Comissão Internacional contra a Corrupção e a Impunidade na Guatemala), organização que, com o apoio dos EUA e da ONU, expôs diversos casos de corrupção. No atual governo, a Guatemala chegou à 150ª colocação no ranking do IPC (Índice de Percepção da Corrupção) feito pela ONG Transparência Internacional com 180 países.
Da prisão, Zamora prepara um artigo para a última edição do jornal, segundo seu filho Ramón. “Ele se sente muito comovido com tudo. Lembro que ele estava muito triste por deixar de imprimir o jornal –uma pessoa com mais de trinta anos no jornalismo é muito apegada ao papel.”
“Seguiremos acreditando em uma Guatemala justa e com liberdade de expressão; uma Guatemala onde a democracia possa florescer”, afirmou o elPeriódico na nota desta sexta.
DANIELA ARCANJO / Folhapress