SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dezenas de quilombos no estado de São Paulo estão sob os olhares de Guilherme Piai, diretor-executivo do Itesp (Instituto de Terras de São Paulo), cuja experiência no assunto é nenhuma, segundo ele. Afirma estar, porém, rodeado de profissionais capacitados.
“Um bom gestor se cerca de pessoas melhores”, diz o diretor.
Piai foi indicado ao cargo pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), no final de janeiro, e assumiu em meados de fevereiro para um mandato de dois anos.
“[Experiência prévia] com comunidades quilombolas não [tenho], mas na parte rural e administrativa, sim”, afirma Piai. Ele diz acreditar que seu trabalho como produtor rural e gestor o credencia para estar à frente do instituto que cuida da regularização fundiária em São Paulo.
O diretor foi cabo eleitoral de Tarcísio e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na campanha de 2022. Atuou principalmente no interior de São Paulo, com destaque à região do Pontal do Paranapanema, no oeste paulista, onde fica sua cidade natal, Presidente Prudente. Tentou se eleger deputado federal pelo Republicanos, mas garantiu apenas a suplência.
A nomeação de Piai para o Itesp preocupa os dirigentes estaduais do Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos), segundo Rodrigo Marinho, da coordenação de São Paulo. O perfil do novo diretor e do governador fazem com que os povos ligados ao órgão se questionem se a titulação quilombola será prioritária.
A falta de recursos e de técnicos, segundo Marinho, também gera dúvidas.
“As comunidades ainda entendem que [o processo de regularização fundiária] poderia estar muito mais avançado”, diz. “A nossa preocupação é saber se vão dar continuidade no processo de regularização fundiária dessas comunidades.”
O grupo está mais otimista com a atuação do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), do governo federal, do que com o instituto paulista.
A prioridade do Itesp, de acordo com Piai, é a regularização fundiária, com foco nos pequenos produtores e quilombolas. Entre as atribuições do instituto estão a assistência a mais de 7.000 famílias assentadas e cerca de 1.400 famílias quilombolas, além de mediação de conflitos e titulação de terras, entre outras.
Segundo o Itesp, há cerca de 62 comunidades apontadas como remanescentes de quilombos em São Paulo, dentre elas 36 reconhecidas pelo instituto e 9 tituladas desde que o primeiro processo foi concluído, em 2001.
O diretor afirma que a expectativa é entregar todos os títulos pendentes aos assentados nos próximos três anos, período que extrapola seu tempo de mandato. Em relação aos quilombolas, diz que a prioridade é titular, inserir as áreas em rotas turísticas e construir moradias.
Piai também diz querer ir na contramão de Bolsonaro, presidente que entre os eleitos menos titulou terras quilombolas desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), segundo dados do Incra.
Em seu mandato, Bolsonaro não priorizou temas relacionados a questões étnicas e raciais, travando a demarcação de terras indígenas e desacelerando o reconhecimento de quilombolas, com a promessa de não demarcar “nem um centímetro a mais” para as comunidades, além de menosprezar políticas de equidade racial.
Em uma palestra no Rio de Janeiro, em 2017, o então pré-candidato à presidência citou uma visita a um quilombo e disse que um membro da comunidade não serviria “nem para procriador”. “Eu fui num quilombo, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas, não fazem nada”, disse, na ocasião.
Piai diz condenar a declaração, mas afirma que, apesar da “fala infeliz”, segue admirando o ex-presidente.
Em 2020, Guilherme Piai disputou a Prefeitura de Presidente Prudente pelo PSL, porém não foi eleito. Ele já havia concorrido antes a outros cargos eletivos, em 2018 como deputado estadual pelo PR e em 2008 como vereador de sua cidade pelo PTB, e nas duas ocasiões terminou como suplente.
Antes de assumir o Itesp, o diretor participou do governo de transição de Tarcísio no grupo técnico de agricultura e abastecimento.
Após o término das eleições, Piai publicou nas redes sociais uma foto em que segura uma espingarda em um ambiente semelhante a um clube de tiro, com hashtags ressaltando termos como legítima defesa, armas de fogo, liberdade, família e direita conservadora.
“Legítima defesa da família e do patrimônio: direito é somente aquilo que ninguém pode lhe tirar”, escreveu.
Outras publicações em suas redes sociais criticam pautas como a criação de banheiros multigênero. Há, ainda, imagens das motociatas de Bolsonaro. “Esse negócio de ser ‘isento’ não é comigo. Defendo: igreja, valores familiares, propriedade privada e liberdade. Repudio: doutrinação em escola, pronome neutro e erotização infantil”, escreveu em seu perfil no Twitter.
REFORMA AGRÁRIA
A necessidade de dialogar com movimentos sociais de reforma agrária como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) levantou dúvidas se as preferências políticas de Guilherme Piai poderiam prejudicar as reivindicações dos grupos.
A nomeação fez com que o MST divulgasse uma nota de repúdio contra a “arbitrária indicação”.
“Guilherme Piai, que tem interesses ligados ao setor do agronegócio na região do Pontal do Paranapanema, figura política de extrema-direita, é declaradamente contra a reforma agrária e um dos principais difamadores dos movimentos sociais de luta pela terra na região”, diz a nota.
O texto também afirma que, dada a função política e social do instituto, sua direção deve ser ocupada por um gestor que conheça as condições reais das famílias sem terra e assentadas, “qualificações que não pertencem a Guilherme Piai”.
Sobre as acusações, o gestor afirma que seu papel como candidato e cabo eleitoral é diferente de suas prerrogativas como administrador do Itesp.
Piai diz, contudo, que os movimentos sociais trazem insegurança jurídica e que a regularização fundiária é “a melhor forma de reforma agrária”. Mas promete dialogar com os grupos enquanto estiver à frente do Itesp.
“A gente tem uma agenda também aberta ao diálogo para os movimentos sociais, desde que feita com respeito, com igualdade. A gente não quer ter um diálogo forçado, pressionado [com invasão de propriedade]”, diz.
O projeto Quilombos do Brasil é uma parceria com a Fundação Ford.
VICTORIA DAMASCENO / Folhapress