Indígenas cobram de Lula ação contra esvaziamento de ministério e prometem protestos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Lideranças indígenas cobram do presidente Lula (PT) empenho para reverter a decisão do Congresso Nacional que implode o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas.

Entidades e lideranças reagiram com indignação à MP (medida provisória), aprovada nesta quarta-feira (24), na qual retira da pasta a demarcação de novas terras indígenas e transfere para o Ministério da Justiça.

A própria ministra Sônia Guajajara recordou em posicionamento publicado no site da pasta que Lula levou a pauta indígena para o centro de sua campanha eleitoral, em 2022. “Agora nós vemos este Congresso promovendo um verdadeiro ataque, num país que levou 523 anos para reconhecer a importância dos povos indígenas e menos de cinco meses para tentar nos calar e tutelar novamente”, afirmou.

Nesta quinta (25), entidades que lutam pelo direito dos indígenas, acompanhadas por movimentos sociais e ambientalistas, se reuniram em Brasília para discutir estratégias que devem ser tomadas na tentativa de reverter a decisão do Congresso.

Os movimentos também se manifestaram em nota com tom crítico e de cobrança ao Executivo.

Para Beto Marujo, membro da Coordenação da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), se a MP for aprovada, o Ministério dos Povos Indígenas será uma instância do governo “sem nenhuma efetividade”.

“Lula, por estar acuado com pautas de interesse do governo, abriu mão de questões importantes do meio ambiente e dos direitos indígenas, como forma de negociação. É um retrocesso e irresponsabilidade conceder esta iniciativa ao Congresso”, afirmou Marujo, que ainda classificou o Legislativo como anacrônico.

“Só é possível [reverter] se Lula entrar nesta articulação. Foi o presidente que se elegeu com o discurso da questão ambiental convalidado no mundo. Vamos esperar, mas em nenhum momento achamos que seria fácil [defender os direitos indígenas] com ou sem governo Lula”, diz.

Outro revés, ainda na noite desta quarta, foi o pedido de urgência aprovado pela Câmara para acelerar a tramitação do projeto do marco temporal, que limita a demarcação de terras indígenas aos territórios ocupados até a promulgação da Constituição de 1988.

A estratégia dos deputados é se antecipar ao julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o marco temporal. A Frente Parlamentar Agropecuária e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) são simpáticos à tese.

“Sabemos que o centrão está muito ligado aos grileiros e madeireiros”, diz Marujo.

A advogada Juliana de Paula Batista, do Instituto Socioambiental (ISA), afirma considerar que o projeto de lei é inconstitucional e contém ameaça ao equilíbrio climático, além do direito dos indígenas.

“Visa transformar a demarcação em uma corrida de obstáculos sem fim e abrir terras indígenas para atividades altamente impactantes. As demarcações de terras poderão ser inviabilizadas e as terras já regularizadas serão destruídas”, afirma.

Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígena do Brasil), promete uma série de protestos em todo o país na próxima terça (30), mesmo dia em que será votado o mérito do projeto do marco temporal.

A deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) pretende convocar os povos originários para uma audiência na Câmara, também no dia 30.

“Se a gente não conseguir entrar na Câmara, vamos fazer manifestações na frente do Congresso. Estaremos em 300, 400 [pessoas] em Brasília, mas terá protesto dos nossos parentes em todos os municípios”, declara Karipuna.

“Vamos fechar rodovias, ferrovias. A gente estima que só em Boa Vista terá 3.000 indígenas. Vamos mostrar nossa força”, afirma o coordenador da Apib.

As derrotas impostas pelo Congresso também provocaram manifestação da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), que disse, em nota, que a aprovação da MP irá enfraquecê-la administrativamente e aprofundará conflitos sociais.

“Retirar da Funai a competência de identificar, delimitar, demarcar e registrar as terras indígenas é fragmentar um processo administrativo que dialoga com outros eixos essenciais da política indigenista”, afirma o órgão.

O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) afirmou, em nota, que fará denúncias em âmbito internacional e nacional contra o Congresso. Diz, porém, que mantém confiança confiança no STF.

A organização Greenpeace declarou que o governo perde a chance de reparar injustiças históricas com a desidratação da pasta de Povos Indígenas e fez convite para a adesão de um abaixo-assinado contra o projeto do marco temporal.

“No mesmo ano em que conquistamos a primeira ministra indígena da história do país, retiramos das mãos dos indígenas o poder de decidir sobre as suas próprias terras”, afirmou Danicley Aguiar.

CARLOS PETROCILO / Folhapress

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