SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dos principais nomes da oposição na Venezuela, Juan Guaidó foi obrigado a deixar a Colômbia nesta segunda-feira (24), horas após entrar no país de forma irregular para participar de uma conferência internacional em Bogotá.
Reunindo delegações de quase 20 países, incluindo os Estados Unidos, a cúpula buscava justamente destravar as negociações entre a ditadura e a oposição em seu país natal mas nem ele nem o líder do regime, Nicolás Maduro, foram convidados para o evento.
A chancelaria colombiana confirmou que acompanhou o oposicionista ao aeroporto El Dorado, na capital, para garantir sua saída. Em nota, o órgão afirmou que o político havia entrado no país de maneira irregular, sem passar pela imigração o próprio Guaidó havia dito em um texto dramático publicado na véspera que cruzara a fronteira entre os países “a pé”, “da mesma forma que milhões de venezuelanos”.
A Colômbia é o país que concentra a maior quantidade de refugiados venezuelanos do mundo, segundo dados da ONU do total de 7 milhões de pessoas que fugiram da ditadura, 2,5 milhões estão na nação vizinha. A título de comparação, cerca de 420 mil migrantes venezuelanos se estabeleceram no Brasil.
Segundo o jornal El Tiempo, Guaidó saiu de Bogotá em um voo às 23h do horário local com destino a Miami, nos EUA, com passagem comprada por ele mesmo. Na tarde de segunda-feira, o chanceler do país, Álvaro Leyva, já havia insinuado que o venezuelano corria risco de deportação: “Na Colômbia, nós cumprimos as leis”.
Guaidó alega que foi expulso por motivação política. Pleiteando uma candidatura à Presidência pela oposição, ele planejava seguir viajando.
“A perseguição da ditadura do governo de Nicolás Maduro lamentavelmente se estendeu hoje à Colômbia”, afirmou ele em um vídeo filmado diretamente no avião e publicado em sua conta no Twitter. “Pelas ameaças diretas à minha família e filhas por parte do regime de Maduro, estou pegando este voo.”
O presidente colombiano, Gustavo Petro, respondeu a acusação pela rede social. “Simplesmente entre com seu passaporte e peça asilo. Com muito prazer lhe ofereceriam. Não tem por que entrar ilegalmente. O trânsito foi autorizado, não o deportaram de volta e, com a permissão dos EUA, voou até esse país”, escreveu. “Guaidó tinha um acordo para viajar aos Estados Unidos. Nós permitimos por razões humanitárias apesar da entrada ilegal no país.”
Mais tarde, o órgão colombiano responsável pelo setor de migração divulgou comunicado em que afirma que Guaidó não foi expulso nem deportado e que todos os seus direitos foram respeitados, de modo que o venezuelano foi submetido às mesmas exigências feitas a qualquer viajante.
Ao chegar no aeroporto de Miami, Guaidó voltou a dizer, desta vez à agência de notícias Reuters, que estava muito preocupado com sua família e sua equipe mesmo depois de “70 horas ou mais de viagem”.
Guaidó está proibido de deixar a Venezuela desde 2019, quando se declarou presidente interino após o atual ditador vencer eleições amplamente contestadas. Mais de 50 países chegaram a reconhecer o oposicionista no final do ano passado, porém, a oposição votou por afastá-lo do cargo.
A cúpula a que o político pretendia comparecer é uma iniciativa de Petro. Primeiro líder de esquerda do país, ele e os demais participantes da conferência buscam estabelecer um diálogo entre o regime de Maduro e a oposição para garantir a realização de eleições presidenciais livres e competitivas na Venezuela no ano que vem.
O ocorrido nesta terça, porém, mostra o quão difícil é a negociação. A viagem do principal opositor de Maduro à Colômbia colocou Petro em uma saia-justa, já que uma eventual acolhida seria suficiente para o ditador se levantar da mesa de negociação, enquanto uma deportação poderia gerar desconfiança.
A ida aos EUA, por fim, não isentou Petro de críticas, e há quem acuse Guaidó de querer boicotar os esforços de diálogo. Pelo Twitter, o colombiano afirmou que “obviamente um setor político queria perturbar o livre desenvolvimento da conferência internacional sobre a Venezuela”.
A tentativa de Petro reverte o processo estabelecido pelo seu antecessor, o conservador Iván Duque, que havia rompido relações diplomáticas com a ditadura venezuelana e atuado como principal aliado latino-americano de Guaidó.
Movimento semelhante foi feito pelo governo Lula, que também enviou delegação ao encontro em Bogotá nesta terça, liderada pelo assessor especial da Presidência, Celso Amorim. Antes mesmo de assumir, sua gestão anunciou a retomada dos laços com Caracas, rompidos sob Jair Bolsonaro. Logo após a posse, o petista enviou à ditadura um encarregado de negócios para reabrir a embaixada brasileira no país; dois meses depois, foi a vez de Amorim viajar à capital para um encontro discreto com Maduro.
A atuação de Brasília junto à Caracas era, aliás, uma das grandes apostas do governo de Joe Biden, dos EUA, para “melhorar as condições da democracia” na Venezuela, segundo afirmou à Folha de S.Paulo Ricardo Zúniga, um dos principais formuladores de políticas para o Brasil da atual administração americana.
As tratativas da cúpula desta semana haviam sido iniciadas na Cidade do México em agosto de 2021. Desde novembro passado estão, porém, estagnadas, depois que um acordo sobre a liberação de cerca de US$ 3 bilhões (R$ 15,8 bi, na cotação da época) bloqueados por sanções dos EUA não saiu do papel.
Maduro exige que o valor seja entregue à ONU para ser utilizado em programas sociais. “Se não houver cumprimento do acordo do México, esqueçam este caminho”, afirmou o ditador nesta segunda-feira, antes de chamar a visita de Guaidó de “intempestiva, prematura, abrupta, abusiva e imbecil”.
Um protesto contra o herdeiro político de Hugo Chávez (1954-2013) foi convocado para a praça Bolívar, a 200 metros do local onde ocorre a reunião, o Palácio de San Carlos, sede da chancelaria colombiana.
Redação / Folhapress