A forma física apurada esconde os 41 anos que Nicholas Santos tem em sua certidão de nascimento. Com 1,91m e biótipo de um competidor de ponta, ele impressiona pela disposição dentro da água. A dedicação, a alimentação regrada e o descanso poderiam explicar a sua longevidade na natação. Mas é fora das piscinas que esse atleta, natural de Ribeirão Preto, tem o diferencial que o credencia a ditar o ritmo das provas que disputa. Meditação, trabalho de respiração e ainda uma leitura seletiva sobre superação de desafios ajudam a explicar a performance que tem deixado para trás concorrentes com a metade da sua idade.
Lidar com a pressão por resultados é algo comum para competidores de alto rendimento. Mas tendo a experiência como aliada, Nicholas vai além para se manter entre os primeiros. Na verdade, muito do seu equilíbrio tem como ponto básico a sintonia entre corpo e mente.
“Fui aprendendo meditação e trabalho de respiração. Identifiquei o tipo de treino que me deixava confiante para brigar por pódios. Levou tempo, mas me deu muita segurança e experiência. O esporte te proporciona condições adversas e situações em que todos os holofotes estão virados para você. Com isso, vem o autoconhecimento”, afirmou Nicholas Santos.
Quando está sob o comando do técnico Felipe Domingues, o ritmo é puxado. A reportagem acompanhou um dia de trabalho do nadador no Centro Olímpico, em São Paulo. Os treinos são diários. Durante a semana, o nadador da Unisanta cumpre oito sessões na água, onde nada até três mil metros. Fora da piscina a saga continua com mais três treinos de musculação.
“Normalmente ele fica uma hora nadando. O ritmo é intenso e rápido. Se eu junto intensidade com treino longo, posso deixá-lo mais lento. Essa não é a ideia. Mesmo nas provas de resistência, quem vence é o cara mais rápido dentro da resistência. Você tem que trabalhar com a velocidade e tem que ser o mais rápido. E o Nicholas entende isso”, afirmou Domingues.
Com o dever de casa feito dentro da água, o nadador agrega também o aprendizado fora das piscinas. Tal estratégia já vem trazendo dividendos. Com o hábito de meditar, o nervosismo, a ansiedade e a falta de uma boa noite de sono às vésperas das competições foram rareando.
“É o lado bom de envelhecer. Você fica mais observador e lida melhor com situações de risco. Houve ocasiões comigo, quando era mais novo, em que treinava muito, mas na hora de competir, não conseguia o resultado. Muitas vezes isso acontecia pela ansiedade ou pelo estado de frequência cardíaca elevada antes de nadar. Você perdia o controle da situação”, afirmou.
‘Mens sana in corpore sano’, a frase atribuída ao poeta romano Juvenal e que remete ao início da era cristã, se encaixa como uma luva na realidade de Nicholas. Em seu cotidiano atarefado, ele divide o tempo de atleta de ponta com a função de manager da Oxygem, uma plataforma de treinamento individualizado de alto rendimento. Se na primeira parte, as obrigações se restringem a melhorar tempos e aperfeiçoar o nado, como executivo, ele encara situações inerentes a um gestor ligado ao esporte.
A fórmula para trafegar com desenvoltura nessas duas frentes é se inspirar em pessoas bem-sucedidas. E a busca por esse conhecimento está na leitura seletiva. “Tenho um livro de cabeceira que é o ‘Princípios’, do Ray Dalio e fala do mercado financeiro. Tem um outro que é o ‘Think and Grow Rich’ (Pense & Enriqueça), do Napoleon Hill. Uma obra fantástica, escrita há mais de cem anos. Leio muito e levo a expertise dessas pessoas que são submetidas à pressão de lidar com milhões. São experiências que nos ajudam a crescer. Tem um outro que é ‘A coragem de ser imperfeito’, de Brené Brown, e fala sobre a vulnerabilidade e como reagimos a elas”, disse Nicholas.
PARCERIA NA PISCINA – Há pelo menos cinco anos, técnico e nadador trabalham juntos. E essa cumplicidade dá uma vantagem que extrapola as piscinas. “Com a gente, ele já bateu o recorde do mundo e foi campeão (em 2018). Esse título já tinha sido conquistado por ele em 2012. Seis anos depois, o Nicholas conseguiu de novo. O seu desempenho é impressionante”, comentou Felipe Domingues durante o treino que seu pupilo cumpria no Ibirapuera.
No final de setembro deste ano, ele voltou a mostrar a força das suas braçadas ao cravar o melhor tempo do mundo nos 50 metros borboleta. Competindo pela equipe Iron, Nicholas ganhou uma etapa da ISL (Liga Internacional de Natação) em Nápoles, na Itália, com o tempo de 21s81.
Muito desse êxito, segundo o próprio treinador, se deve também ao treino individualizado. Elementos como qualidade do sono, alimentação e fadiga são controlados por meio de um questionário. “Temos uma escala de 1 a 20 onde medimos a sua recuperação. E dependendo de como ele responde, mudamos o treino na hora para fazer algo mais leve. Estamos falando de um atleta de 41 anos. Se a gente tem um garoto de 15, 16 anos, podemos até manter um programa. Mas, com a idade, a recuperação vai ficando mais difícil. Então os cuidados são maiores”, disse o técnico.
E Nicholas realmente impressiona quando o assunto é longevidade. Na natação, são raríssimos os casos de atletas que seguem em alto nível depois dos 30. Considerado um dos maiores nadadores de todos os tempos, Michael Phelps se aposentou pela primeira vez aos 27. Após um hiato de duas temporadas sem cair na água, o americano voltou a nadar nos Jogos Olímpicos do Rio-2016, e parou definitivamente aos 31 anos. O australiano Ian Thorpe, grande nome das piscinas antes de Phelps, encerrou a carreira aos 24 anos.
No ano passado, o brasileiro voltou a chamar a atenção durante a disputa da ISL, realizada em Budapeste. Ele superou o americano Caeleb Dressel, 25 anos, e sensação das provas de velocidade da natação mundial. A vitória de Nicholas aconteceu nos 50m borboleta com o tempo de 22s30. Com o resultado veio uma marca expressiva: a de nadador mais velho a vencer uma prova na história da competição.
“A vitória dele sobre o Dressel causou espanto não só nos nadadores, mas também nos narradores e comentaristas. Vieram me perguntar o que fazíamos para que ele tivesse esse desempenho. Daí o Nicholas falou que é fruto de um trabalho individualizado que vem dando os melhores resultados”, afirmou Domingues.
AYRTON SENNA E CORAÇÃO SÃO-PAULINO – Em comum, eles têm a velocidade como desafio e uma volúpia por diminuir tempos quando estão competindo. Mas as coincidências ficam por aí. Sem ter um nadador para citar como referência no esporte, Nicholas apontou Ayrton Senna, morto em 1994, como o ídolo de infância que ainda o inspira quando vai disputar uma prova. “O Senna foi um ícone para nós brasileiros, né. Eu cresci querendo assistir as corridas dele aos domingos pela manhã. É um ídolo que marcou não só a minha infância como a de muitos brasileiros. Foi uma inspiração, sem dúvida.”
A busca incessante de Ayrton pelas vitórias na Fórmula 1 serviu como combustível para Nicholas enfrentar a rotina do esporte de alto rendimento. “Você tem que aprender constantemente. Por exemplo, bati o recorde mundial nos 50m borboleta e poderia entrar numa zona de conforto. Mas não é bem assim. Desde que fiz o tempo de 21s75, eu quero me distanciar cada vez mais dos meus adversários. Isso é ser atleta de alto rendimento.”
Mas, se as pistas o fascinavam na infância, o esporte mais popular do país também teve espaço na sua adolescência. Entre os 13 e 14 anos, Nicholas defendeu o Botafogo de Ribeirão Preto nas categorias de base. “Era atacante e gostava do Raí. Peguei a fase áurea em que o São Paulo foi bicampeão do mundo e o Zetti também era meu ídolo. Mas depois acabei me afastando. Hoje acompanho pouco. Sei que o time não está em boa fase no Brasileiro, mas com a chegada do Rogério Ceni como treinador as coisas vão melhorar”, comentou.
O próximo desafio a ser cumprido por Nicholas está próximo. O Campeonato Mundial de piscina curta acontece entre 16 e 21 de dezembro em Abu Dabi. O objetivo é baixar seu próprio recorde e conquistar mais um título Mundial. “Sei que tenho mais um ano em alto rendimento para competir. Isso por opção, não por limitação. É manter essa busca constante de resultados de aprendizado e o sonho de ser o melhor no que você faz.”
Formado e pós-graduado em fisioterapia, ele tem ainda uma MBA com ênfase em empreendedorismo. Com perfil voltado para o futuro, Nicholas já se movimenta para seguir a vida fora das piscinas. E, a depender do seu DNA de atleta, o futuro como gestor ligado ao esporte promete também ser marcado pela longevidade.
Agência Estado