SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Rildes Mendonça, 37, tem três filhos adolescentes. Se pudesse voltar atrás, porém, teria optado por não ser mãe. “Eu amo os meus filhos, mas detesto ser mãe”, afirma.
Ela não é a única que se sente dessa maneira. O assunto já rendeu livro, estudos científicos e muitos comentários nas redes sociais. O arrependimento materno muitas vezes é associado à falta de amor pelos filhos, mas as mulheres que se declaram “mães arrependidas”, na verdade, questionam o papel social atribuído à maternidade e não gostam mesmo é do peso que vem com a função.
No caso de Rildes, a sensação de sobrecarga ligada à maternidade é fruto de uma combinação de violência doméstica, separação do genitor das crianças, falta de apoio familiar e dificuldades financeiras. Contudo, ela diz que também não tinha vontade de ser mãe e essa certeza não foi mudada pelo nascimento dos filhos.
Duas das suas gestações não foram planejadas e, na outra, foi pressionada pelo parceiro. “Eu não tive educação sexual nenhuma. Não se falava sobre isso em minha família, que era muito religiosa”, relata.
O que faz Rildes insatisfeita com a maternidade, porém, não é apenas falta de planejamento, mas sim a pressão para abdicar de si mesma. “Tudo é sua responsabilidade, você não tem tempo para nada. Eu achava que era um monstro por me sentir assim, mas hoje me entendo e me perdoo.”
Foi para contar essas histórias e acolher essas mulheres, que Karla Tenório, 40, criou a página “Mãe arrependida” no Instagram. O projeto começou com um espetáculo de teatro virtual em 2021, que terá sua primeira temporada presencial em julho, no Rio de Janeiro. Além de divulgar a apresentação, a página também é utilizada para trazer depoimentos de mulheres que se sentem arrependidas da maternidade.
“Se eu pudesse voltar atrás, eu não teria ficado grávida”, diz a atriz. “Eu não aguentava mais ficar em silêncio, e a primeira maneira que encontrei de me expressar foi artística. Depois, com a página, vi que muitas outras mulheres se identificavam e que essa troca também me trazia cura.”
A gravidez de Karla foi desejada e planejada, mas exercer o papel de mãe não foi como idealizado. “Eu achei que queria aquilo, mas existe muita pressão social envolvida. Hoje, vejo que, naquele momento e daquela maneira, eu não estava preparada.”
Nas redes sociais, ela também compartilha momentos com sua filha de 12 anos, Flor Inaê. A filha gosta de participar do projeto e entende as reflexões da mãe, segundo a atriz. “Quando uma mãe se assume arrependida, ela não coloca essa carga emocional na criança”, pontua.
O objetivo central do projeto é conscientizar sobre a necessidade de políticas públicas em prol da saúde mental das mulheres e desconstruir a idealização sobre o papel de mãe. “É esse conceito que eu me arrependo e quero romper, para que as mulheres possam exercer uma maternidade mais leve.”
A psicóloga Luana Flor Hamilton, especialista em maternidade, valida os relatos. De acordo com ela, o sentimento tem nome: maternidade compulsória. A denominação quer mostrar que ser mãe não é exatamente uma escolha, mas “um fluxo natural’.
De acordo com a profissional, as mulheres são vistas desde a infância com base na função reprodutiva, além de serem impactadas por romantizações. Por isso, é comum que muitas só entendam a escolha que fizeram após se tornarem mães.
“Elas vivenciam essas sensações muito ambíguas, percebem que não existe só esse amor inato ou o suposto instinto materno, e muitas começam a se culpabilizar”, aponta.
Um estudo de 2021 afirma que o arrependimento materno não está ligado apenas à falta de condições financeiras e emocionais para cuidar dos filhos, mas sim às expectativas existentes em relação às mães.
Hamilton reforça que, muitas vezes, as mulheres que se declaram mães arrependidas ou que assumem os elementos negativos da maternidade são julgadas como mães ruins ou negligentes, o que não é necessariamente verdade.
“Elas estão sofrendo, dando conta dos filhos e não estão sendo acolhidas”, alerta. “Tem uma diferença muito grande entre o que nos dizem que é a maternidade e o que encontramos na realidade.”
A especialista recomenda acompanhamento psicológico para lidar com o sentimento. “É preciso entender o que está levando a essa insatisfação, diferenciar a experiência da maternidade do vínculo que existe com os filhos e ressignificar o que é ser mãe.”
A discussão ganhou força em países anglófonos e europeus já há alguns anos após a publicação do livro “Mães Arrependidas”, da socióloga israelense Orna Donath. Nele, a autora entrevista uma série de mulheres que se arrependeram da maternidade.
Seja nas redes sociais, estudos ou livros, uma constante é a separação entre o arrependimento e o amor pelos filhos.
Rita de Cassia Giobom, 58, viveu esse sentimento há 34 anos, quando gestava sua filha. Na época, diz, a situação era ainda mais complicada. “Não tinha ninguém que falasse que você poderia ficar cansada e não precisaria estar feliz 24 hrs por dia”, afirma.
Para ela, a maternidade só fez sentido quando começou a ter interações mais complexas com a filha e a percebeu como alvo de seus ensinamentos.
Diz conversar abertamente sobre suas visões da maternidade com ela, e pontua ser importante falar sobre o assunto para que outras mulheres possam entender melhor seus sentimentos.
“O meu amor por minha filha é uma coisa. O processo da maternidade e tudo que vem com ele é outra”, diz. “Eu não sou louca, não nasci com defeito. Eu não sou uma péssima mãe por me sentir assim. Eu sou mulher.”
GABRIELLA SALES / Folhapress