Marcha para Jesus escolhe atração no Gospel Singer, reality de música evangélica

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Vini Martins, 23, bebeu água no parto e desde então sofre com problemas respiratórios crônicos. Hoje tem uns 25% do pulmão esquerdo e 100% de devoção a Deus, diz. “Sempre disseram que eu não conseguiria chegar a lugar nenhum.”

Chegou à final do Gospel Singer, reality show da Rede Gospel que naquela noite de maio premiaria o vencedor com um convite para tocar na Marcha para Jesus.

Bruna Robert, 33, também tem uma história de superação para oferecer a um corpo de jurados que inclui Mara Maravilha e Mauricio Gasperini, ex-vocalista da oitentista Rádio Táxi e ele próprio finalista de outro programa musical em 2022, The Voice+ (Globo), para intérpretes acima de 60 anos.

Com 12 anos, Bruna percebeu falhas no couro cabeludo que o black power até disfarçava. Médicos disseram que era só estresse. Não era. Em 2012, ela teve a primeira filha e viu o cabelo cair de novo, mas sem crescer de volta dessa vez. Veio o diagnóstico de alopecia, doença que provoca perda de pelos pelo corpo.

Estava em depressão quando ouviu na TV a voz da bispa Sonia Hernandes, que comanda ao lado do marido a igreja Renascer em Cristo, dona da Rede Gospel. Ela lia um salmo: “O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã”.

Daniella Brito, 22, encontrou a bispa Sonia num shopping na carioca Barra da Tijuca e cantou louvores para ela. Quase desistiu do ofício, por ser constantemente diminuída por pessoas que diziam que ela berrava demais, não sabia cantar. Persistiu por sentir que tinha uma missão divina.

Se ficar em primeiro lugar hoje, diz, o crédito não será dela. “Se o Senhor tirar Sua mão sobre mim, não vai sobrar nada.”

O Gospel Singer estreou em 2013, pioneiro em adaptar o formato de reality a um dos gêneros musicais mais escutados do Brasil, o gospel.

É um mercado que movimenta milhões de reais, mas por muito tempo foi negligenciado por grandes gravadoras. O apóstolo Estevam Hernandes, cabeça por trás da Renascer e da Marcha para Jesus, foi uma das pontas de lança do nicho. Acreditava no potencial da música evangélica, mas reconhecia que o setor carecia de qualidade e reconhecimento.

Com expertise em marketing, Estevam quis mudar o jogo. Em 1988, idealizou a Katsbarnea, banda de rock cristão para a qual compôs hits como “Extra, Extra”, campeã do Fico (Festival Interno do Colégio Objetivo). A letra tratava de temas bíblicos como Apocalipse (“o mundo acabará amanhã de manhã”) e salvação (“que aproveita ter o mundo inteiro e perder sua alma?”).

Mais recentemente, em 2018, o grupo lançou “O Mundo Agora É Gay”, que provocou cizânia nas igrejas. O single fala numa “juventude perdida”, parte de um mundo que “agora é gay, inteligente e vulgar”. Sem um papo de “cura gay”, contudo: “Jesus Cristo te ama do jeito que você é”.

Estevam, há tempos fora do processo de criação do Katsbarnea, diz que a estratégia no início era “comunicar uma mensagem que não fosse estereotipada”. Ou seja, com pinta de crente. Chegar de mansinho para introjetar a palavra cristã nos lares brasileiros.

“Fizemos uma revolução”, afirma o apóstolo sobre o papel que cumpriu para a profissionalização do estilo. “A Indústria da Música Gospel”, de Adailton Moura, conta um pouco desse capítulo do segmento evangélico.

O líder da Renascer, diz o livro, “mudou o ambiente de culto para torná-lo mais agradável aos visitantes atraídos pela música e desacostumados com os ritos da igreja”. Menos careta, portanto. “O púlpito se transformou em palco –estruturado com luzes coloridas, neon e fumaça.”

Aos poucos, outras denominações adotaram modus operandi similar ao do apóstolo, “que passou a ser referência do showbiz evangélico”, escreve Moura.

“Minha afinidade com o marketing e visão de mercado proporcionou maior abrangência à música cristã, abrindo portas para consolidação do gospel como estilo musical que agasalha todos os ritmos”, diz o apóstolo à Folha.

O Gospel Singer é uma atualização dessa indústria, que agora fala abertamente de símbolos cristãos, sem aquela tática mais sutil do início do Katsbarnea. Os comentários do júri, bem mais dóceis do que em realities não religiosos, vão todas na mesma pegada de culto.

“Eu vi Deus em você.”

“Meu Deus do céu, mulher de Deus, você pisou na cabeça da serpente.”

“Você carrega uma unção diferenciada, unção nível Thalles Roberto.”

Thalles é um dos grandes nomes do gospel nacional e, antes de ganhar projeção no gênero, integrou o Jota Quest como músico de apoio. Agora é algo próximo a um popstar, embora o termo não se adeque ao meio. Evangélicos não creem em nenhum tipo de idolatria, daí não se falar em ídolos ou estrelas gospel, mesmo aqueles que vendem tantos discos quanto uma Anitta.

Claro que, na prática, vários elementos seculares, adjetivo usado por evangélicos para se referir ao que vem de fora da igreja, contaminam esse mercado. Rivalidade entre artistas, exigências no camarim, público que se comporta como fã, tudo isso está lá.

Mas o tom evangélico delimita algumas diferenças importantes, como a reportagem nota ao acompanhar a final. O discurso do mérito, por exemplo, aparece menos neste palco. Quem saísse de lá vencedor, concordavam participantes e jurados, seria porque Deus assim decidiu.

“Nós não temos concorrentes, somos uma grande família louvando ao Senhor”, afirma o bispo Phillip Guimarães, apresentador do programa, transmitido da sede da Renascer em São Paulo.

“O céu fica em festa quando a gente canta para Jesus”, declara mais adiante Gasperini, o ex-Rádio Táxi que gravou louvores após se curar de um câncer na garganta em 2019 que a princípio o impossibilitaria de cantar de novo. “Não é um simples palco, a gente vê como altar”, diz no intervalo. “Não nos sentimos como popstar. Na música gospel, a gente tenta se conectar com Deus, passa a não ser mais protagonista da história.”

Daniella, a carioca que antes da gravação disse à Folha ser nada mais do que uma ferramenta do Senhor, diz também se sentir assim. Ela é vocalista da Mays Music, a banda escolhida para se apresentar na quinta (8) no palco da Marcha para Jesus.

O grupo vitorioso se ajoelha ao saber do resultado, e Daniella julga por bem esclarecer quem é o verdadeiro vencedor. “Esse prêmio não é nosso, esse prêmio é de Jesus.” Seja o que Deus quiser.

Instagram https://www.instagram.com/p/CsO-g0Vt8X3/ ***

Marcha para Jesus 2023

São Paulo

Data: 8/6 (quinta-feira) – 10h

Saída: estação Luz do Metrô, no Centro

Destino: praça Heróis da Força Expedicionária Brasileira, próximo ao Campo de Marte, em Santana

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER / Folhapress

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