Movimento de racialização do Brasil é fruto do acesso à informação, dizem especialistas

Os dados do Censo 2022 divulgados pelo IBGE nesta sexta-feira (22) mostram uma mudança significativa na composição étnico-racial do Brasil. Pela primeira vez, os pardos ascendem como a maior parcela, representando 45,3% da população, ultrapassando os brancos, que somam 43,5%.

Essa mudança reflete um aumento na identificação de brasileiros como pardos e pretos (10,2%).

Thales Vieria, coordenador-executivo do Observatório da Branquitude, destaca o aumento de autorreconhecimento racial, como em questões estéticas —adolescentes negras, por exemplo, que deixam de alisar o cabelo.

“Isso é fruto de um esforço real do movimento negro, de organizações, da sociedade civil, para o aumento de autopercepção para a criação de políticas públicas”, diz Vieira.

Ele relembra que a ampliação da consciência étnico-racial da população negra é uma luta de décadas. No Censo de 1990, a campanha do IBGE contava com a imagem de corpos nus com a frase: “Não deixe sua cor passar em branco. Responda com bom Censo”.

“O movimento negro percebeu desde muito cedo que, para aumentar políticas públicas, era preciso aumentar o contingente populacional”, diz Vieira.

Ele acrescenta que o incentivo às discussões sobre racismo levou o tema para a mesa de jantar das famílias brasileiras.

“Antes, era algo malvisto e as pessoas diziam que o racismo só ocorria nos Estados Unidos, que lá tinha uma sociedade segregada e, por aqui, isso não existiria, pois somos um país miscigenado. Hoje, ninguém mais consegue falar isso e esse tema passou a ter centralidade nos debates públicos.”

A publicitária e criadora da página Criando Crianças Pretas, Deh Bastos, 39, concorda que o aumento do autorrreconhecimento racial no Brasil acontece a partir do acesso à informação. “A democratização do uso da internet, o uso das redes sociais e a televisão aberta debatendo esses assuntos representam algo histórico.”

Deh afirma acreditar que os debates gerados pela mídia pautam as conversas dentro de casas.

Foi assim que ela viu a discussão entre seus pais. “Esse processo fez com que eles se identificassem como pessoas pretas. De tanto conversar, de tanto ouvir, se hoje o IBGE bate lá, eles se consideram pretos.”

Ela lembra que não teve letramento racial na infância e que a compreensão veio de forma tardia quando estava na universidade. “Eu não era uma pessoa branca, mas não era uma pessoa preta.”

Nascida em São Paulo, ela fez faculdade no Rio. E a mudança de cidade, a seu ver, foi essencial no processo de compreensão.

“No Rio, foi a primeira vez que eu vi cor. Eu entrava no ônibus e via uma população preta. Na faculdade, tive esse encontro com o conhecimento e comecei a me entender”, diz a publicitária, que classifica o período de autorreconhecimento como longo, doloroso e que se materializou quando ela teve um filho, hoje com seis anos.

O conteúdo que ela passou a estudar, assim como reflexões e descobertas que teve, começou a ser compartilhado na conta do Instagram Criando Criança Preta, que surgiu antes da pandemia da Covid-19.

A publicitária brinca que a plataforma tornou-se uma espécie de SAC para mães brancas, uma vez que “ninguém precisa ensinar uma família preta a criar uma criança preta”, diz ela.

Deh afirma que sentiu necessidade de usar a plataforma não apenas como forma de acolhimento e troca, mas também como canal de conteúdo didático e de informação. Apesar de a maternidade ter dado uma força no letramento racial, ela diz que a criança preta a que se refere na conta nunca foi seu filho, e sim ela mesma.

“Sempre foi sobre a minha criança negra, que viveu no interior de São Paulo, cresceu com cabelo alisado, sofreu a solidão da mulher negra e se tornou esse adulto que demorou a entender por falta de informação. São as minhas dores, que meu filho talvez não passe por elas”, diz ela, cujo filho foi fruto de uma relação interracial.

Com o ambiente virtual, ela conta que costuma receber perguntas de mães que se sentem em dúvida sobre os filhos serem ou não negros. “Muitas me perguntam se o filho delas é negro e me mandam foto. É cruel.”

Quando indagada sobre essas questões, Deh responde que no Brasil a pessoa se declara negra. “Como meu filho vai se declarar, eu não tenho controle. Mas posso contar a ele que a existência acontece a partir de uma mãe negra e que isso faz dele um menino negro.”

ISABELLA MENON / Folhapress

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