O fumarato de tenofovir, substância que é o princípio ativo de um medicamento antiviral produzido no Brasil, o tenofovir, inibe in vitro a replicação do vírus SARS-CoV-2, que causa a covid-19, revela pesquisa realizada na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) e na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, ambas da USP. O estudo aponta que o efeito verificado em células infectadas com o vírus é similar ao de outro antiviral, o remdesivir, o que indica uma possível ação para reduzir o tempo de internação dos pacientes com a doença. Embora sejam necessários novos estudos para verificar o efeito em seres humanos, os pesquisadores desenvolveram uma rota completa de síntese do medicamento em escala piloto, permitindo que ele seja totalmente fabricado no Brasil, que não produz o remdesivir.
As conclusões do estudo são relatadas em artigo publicado em 29 de maio pelo Journal of the Brazilian Chemical Society, editado pela Sociedade Brasileira de Química (SBQ). O professor Norberto Peporine Lopes, membro do grupo de pesquisadores que elaborou o texto, conta que o trabalho tem origem nas pesquisas para verticalização da síntese total de antirretrovirais usados no tratamento de aids no Brasil, iniciadas em 2014.
“O fumarato de tenofovir é produzido no País, porém as empresas compram no exterior os intermediários avançados para síntese do princípio ativo e concluem o processo por aqui”, diz o pesquisador ao Jornal da USP. “O que vinha sendo pesquisado era a realização das fases mais iniciais da síntese do princípio ativo, em escala piloto, pré-industrial, tanto do fumarato de tenofovir quanto de seus derivados.”
Com o surgimento da covid-19, os pesquisadores iniciaram testes em laboratório com o princípio ativo, usando amostras do vírus SARS-CoV-2 em parceria com a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP). “Quando foi divulgada a estrutura da enzima do vírus que seria o alvo do remdesivir, foi feito um estudo de química computacional com o fumarato de tenofovir, mostrando que ambos se ligam ao vírus pelo mesmo sítio ativo”, relata o professor. “Por serem moléculas da mesma família, acreditamos que tivessem ação similar.”
Menor replicação
Os testes em laboratório mostraram que o fumarato de tenofovir reduziu de forma significativa a replicação do vírus da covid-19. “Isso confirma os estudos de química computacional que apontaram a similaridade entre os princípios ativos, indicando que ele pode atuar de maneira análoga ao remdesivir”, observa Peporine Lopes. “Isso é o que acontece do ponto de vista químico, sendo necessários estudos clínicos para confirmar o efeito antiviral, e se ele é superior ou inferior ao do remdesivir.”
De acordo com o professor, embora o remdesivir tenha sido anunciado como uma possível cura para a covid-19, na prática ele diminui o tempo de internação dos pacientes infectados. “Espera-se que o fumarato de tenofovir tenha o mesmo efeito, o que já seria muito positivo”, salienta. “A indústria no Brasil tem muito mais condições de disponibilizar o medicamento com esse princípio ativo para a população do que no caso do remdesivir. Desde que sejam feitos estudos clínicos, o País possui muito mais autonomia para produzir essa medicação.”
Peporine Lopes relata que os professores Giuliano Clososki e João Luis Callegari Lopes, da FCFRP, coordenaram um projeto em parceria com a empresa Lychnoflora Pesquisa e Desenvolvimento em Produtos Naturais, incubada no Supera Parque de Ribeirão Preto (interior de São Paulo), que estudou a degradação do princípio ativo para efeitos toxicológicos. “Na verticalização do processo, por meio do monitoramento das reações químicas que formam o princípio ativo, foi possível otimizar o seu processo de síntese”, destaca o professor ao Jornal da USP. “Paralelamente, foi feita a produção em escala piloto nos laboratórios da FCFRP, o que dá condições para a transferência da tecnologia ao setor produtivo.”
Segundo o pesquisador, já existem indústrias no Brasil que realizam parte da síntese do fumarato de tenofovir, e a adaptação para o processo completo, se necessária, é mais simples do que iniciar do zero a produção do remdesivir, que ainda não tem patente disponível no País. A parte de avaliação biológica do estudo foi realizada com a colaboração dos professores Eurico de Arruda Neto e Luis Lamberti da Silva, da FMRP. As pesquisas para aumentar a escala de produção do princípio ativo contam com o auxílio da Lychnoflora e da Fipase/Supera Parque, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Financiadora de Estudos e Pesquisas (Finep).
Texto: USP Ribeirão Preto