Amigo íntimo de Chico Xavier, o jornalista Saulo Gomes, falecido nesta quarta-feira (23), era uma das raríssimas pessoas que conheciam o segredo do médium. Antes de morrer, Xavier combinou uma espécie de código que serviria de confirmação para eventuais manifestações de seu espírito. Pouquíssimas pessoas sabiam qual era esse segredo. Saulo era uma dessas pessoas.
Essa é só mais uma das páginas que constam na biografia do escritor e jornalista, que era radicado em Ribeirão Preto e, ao longo de mais de 60 anos de atuação entre imprensa e jornalismo, tem dezenas de livros e passagens pelos maiores veículos de comunicação do País. Entre os momentos históricos que protagonizou está o anúncio, feito ao vivo, às 16h21 de 2 de maio de 1980, de que a TV Tupi deixava de gerar suas imagens.
Saulo nasceu no Rio de Janeiro e inseriu seu nome na seleta lista dos mais renomados repórteres do rádio e da televisão brasileira. Ele iniciou sua atividade jornalística em janeiro de 1956, quando foi o primeiro colocado em um concurso para uma vaga de repórter da Rádio Continental, uma das emissoras de destaque do Rio de Janeiro. No mesmo ano, foi escalado para cobrir férias do setorista político. Neste período, cobrindo escândalos políticos, descobriu a veia da reportagem policial e investigativa.
Desde então, obteve destaque como jornalista investigativo graças, principalmente, aos diversos casos de mortes e chacinas no Rio de Janeiro, promovidos pelo Esquadrão da Morte. Além do caso do Esquadrão da Morte, Saulo Gomes conduziu reportagens e documentários que registraram grandes índices de audiência televisiva, como os casos Erros Judiciários, do motoboy – Francisco de Assis Pereira (o maníaco do parque), da desativação do Carandiru, e caso PC Farias.
Alvo de mais de uma centena de processos judiciais, foi absolvido em todos. Tinha orgulha de contar que nunca publicou nada sem provas. Escreveu, ainda, o livro “Quem Matou Che Guevara”, trazendo o depoimento exclusivo do homem que, seguindo ordens, tirou a vida de Che.
Ditadura
Em 31 de março de 1964, dia do golpe militar, à frente da Rádio Mayrink Veiga, ele reuniu pessoas que eram contra o golpe, levou para o estúdio e passou 24 horas transmitindo protestos ao regime militar. No dia 1º de abril, os militares invadiram a rádio e Saulo deixou o Brasil em exílio no Uruguai. Passou sete meses exilado e, quando voltou, foi preso por um ano e meio. Exilado político, comandou, já no século XXI, a Associação dos Exilados Políticos da ditadura.
Durante sua carreira de jornalista, esteve diversas vezes em Ribeirão Preto e se apaixonou pela cidade. Era sempre recebido pelo jornalista Antonio Carlos Morandini, correspondente da rede Tupi na região e que desenvolveu uma grande amizade com Saulo. “Eu era correspondente da TV Tupi na região, era amigo dele, sempre fazia algumas pautas. Ele vivia vindo pra cá, dormia em casa, e trabalhou comigo algum tempo”, conta Morandini.
Uma dessas vezes ocorreu em 1982. Depois de ser perseguido pela ditadura, Saulo trabalhou em Cuiabá. “A coisa apertou com os militares, ele havia denunciado também alguns crimes em Cuiabá, e eu trouxe ele para Ribeirão, para trabalhar comigo no programa Larga Brasa. Logo depois, acabou decidindo se mudar de vez para a cidade”, relembra.
Chico Xavier
Como escritor, teve a oportunidade de biografar o médium Chico Xavier, entrevistando também, pela primeira vez, este que se tornou uma figura emblemática para a comunidade espírita e para a história do país. O primeiro contato da dupla foi em 1968 durante a participação do no programa Pinga-fogo, que se eternizou como o grande registro de Chico em rede televisiva.
Na ocasião, enquanto repórter da TV Tupi, Saulo conseguiu convencer o médium a romper longo período de silêncio com a imprensa brasileira. Desde então, escreveu dois livros e reportou o trabalho de Chico Brasil afora. O médium também se tornou um dos grandes amigos do jornalista.
A primeira reportagem que Saulo fez sobre Chico Xavier mostrou à grande imprensa um retrato do homem que se comunicava com os mortos e trazia alento a tantas famílias. A matéria foi a primeira oportunidade, entre muitas que vieram pela frente, do repórter investigativo fitar “olho no olho” o homem sobre o qual se referiam ora como bruxo, ora como santo.
Saulo Gomes carregou consigo um vasto acervo de depoimentos do médium, de quem foi confidente por mais de três décadas.
Curiosidade
Por 42 anos, Gomes também foi o guardião de um dos meteoritos da coleção do Museu Nacional do Rio de Janeiro (RJ), destruído por um incêndio em setembro do ano passado. A pedido da pesquisadora Maria Elisabeth Zucolotto, o jornalista doou ao museu um dos três meteoritos encontrados por ele em uma fazenda de Buritizal (SP), em 1967.
Graças as redes sociais, esta memória será eternizada: “Em 14 de agosto de 1967 o fenômeno conhecido como chuva de meteoros Perseidas atingiu o solo brasileiro, na região de São Simão e Buritizal. Eu era repórter da TV Tupi e me desloquei para a região. Recolhi e guardei 3 pedras que, em 2011, foram analisadas e reconhecidas como sendo um meteorito condrítico e receberam o nome de: “meteorito condrítico Saulo Gomes”, relatou, através de sua conta Facebook.
Amizade
Amigos e familiares descrevem Gomes como o homem que encontrou assassinos antes da polícia e devolveu sequestrados para a família antes das autoridades. Sempre transitando entre a polícia e a política, muitas vezes chegando primeiro ao fim das histórias.
Membro da Ordem dos Velhos Jornalistas desde 2003, o nome de Gomes também ocupava, há 15 anos, a cadeira número 28 da Academia Ribeirão-pretana de Letras. Ele recebeu o título de cidadão ribeirão-pretano em setembro de 2010. “O céu hoje abriu as portas para mais um dos experientes que ele mandou buscar. É chegada a hora da partida, não gostamos nada desta separação, aprendemos a amar. Mas, quem é que determina? O mesmo que nos enviou!!! Sabedor de que, sua meta foi cumprida, na volta para casa, temos certeza que todos se perfilaram ao toque dos clarins e trombetas, anunciando sua chegada. Assim, também está sendo recebido o bom Saulo Gomes, pra juntar-se aos demãos amigos! Aos entes queridos, nossas condolências”, disse José Carlos Barbosa, presidente da Ordem dos Velhos Jornalistas de Ribeirão Preto.
Outro a se manifestar foi Carlos Roberto Ferriani, presidente da Academia Ribeirão-pretana de Letras. “Aos 91 anos Saulo continuava trabalhando e exercendo o jornalismo sem parar. É uma pessoa que vai deixar um legado muito bonito, um legado de quem não desiste e não nos deixa desistir. Definitivamente uma grande perda, para todos, sem exceção”, diz
O prefeito de Ribeirão, Duarte Nogueira, também se manifestou. “Encontramo-nos pela última vez no início do mês de outubro, durante a Feira do Livro Espírita. Deixa-nos, para além de suas obras, o exemplo de caráter, ousadia, inteligência e compromisso com a verdade”, disse Nogueira, em nota oficial.
*Colaborou Eduardo Schiavoni