Pesquisadores da USP Ribeirão criam modelo inteligente para predição de mortes em UTIs

Para os pesquisadores, a tecnologia fornece informação técnica mais precisa sobre paciente em cuidados intensivos, aumentando a segurança médica na tomada de decisões

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Paciente em leito destinado para o tratamento da Covid-19 - Foto: Bruno Cecim/Ag.Pará

O uso da Inteligência Artificial na predição do risco de morte de pacientes em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), sem comprometer a ética, pode estar perto da realidade. É o que mostram os resultados de uma dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Computação Aplicada da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. E chega num momento em que vários Estados do País já enfrentam o colapso do sistema de saúde provocado pela pandemia da covid-19.

Os responsáveis pelo projeto garantem que o modelo de Inteligência Artificial que desenvolveram é capaz de predizer, com maior precisão, o risco de mortalidade dos pacientes. O cientista de dados Flávio Monteiro explica que “o modelo poderá ser ajustado a variáveis locais a fim de ser utilizado como ferramenta por profissionais de saúde para, por exemplo, eleger, entre os pacientes, os que precisam ser internados nos leitos de UTI com maior urgência”.

Orientado pela professora Alessandra Alaniz Macedo, do Departamento de Computação e Matemática, Monteiro trabalhou, ao lado dos professores Fernando Meloni e José Augusto Baranauskas, todos da FFCLRP, usando uma base de dados de 12 mil pessoas que passaram por UTIs de hospitais norte-americanos. Segundo o pesquisador, eram informações das condições fisiológicas dos pacientes e dos resultados (sobrevivência ou morte) dos tratamentos dispensados em 48 horas de internação nessas unidades de tratamento.

Algoritmos são mais precisos

Com as informações, os pesquisadores treinaram o modelo “para criar padrões capazes de avaliar o quanto as condições de novos pacientes indicavam suas chances de sobreviver”, conta Monteiro. E os resultados dos testes que realizaram “sugerem que os algoritmos são mais precisos do que os protocolos convencionais utilizados nas UTIs”, continua o pesquisador, afirmando que esse tipo de informação é importante para os profissionais de saúde, “pois ajudam a definir a ordem de prioridade de internação e quais pacientes possuem mais chances de sobreviver”.

Monteiro acredita que a ferramenta que criaram seja uma opção mais precisa que os modelos de pontuação (scores) utilizados atualmente, como o Sequential Organ Failure Assessment (SOFA). Ele diz que esses modelos são baseados em sistemas de pontuação empíricos, alguns deles formulados na década de 1990. “Levando em conta os avanços computacionais e estatísticos dos últimos anos, esses scores se mostram defasados. E, de fato, são, a julgar pelos baixos níveis de previsão de óbito, quando são utilizados em UTIs”, afirma.

A mesma base de dados, explorada agora pela pesquisa da USP, foi apresentada durante desafio realizado em 2012 pela PhysioNet, uma plataforma de pesquisa e educação biomédica gerida pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos. Comparado aos resultados de modelos inteligentes de predição de risco de óbito desenvolvidos desde então, o modelo obtido pela equipe uspiana “atingiu níveis de acerto 20% superiores na previsão de risco de morte em relação aos resultados apresentados por outros grupos de pesquisadores das grandes universidades do mundo”, afirma a professora Alessandra.

Economicamente mais viável

A professora Alessandra diz também que, além de mais eficiente, o sistema é economicamente mais viável pois “sugere custos mais baixos para o monitoramento em UTIs, visto que são manipuladas menos informações e variáveis coletadas dos pacientes”. Ela aponta ainda que “o menor esforço pode deixar o profissional de saúde mais livre para se dedicar ao paciente”. É que, das 43 variáveis usadas pelos modelos anteriores, o da USP trabalha com apenas 12. Essas variáveis são informações como idade, peso, estatura, frequência cardíaca e indicadores renais, coletadas no momento da internação.

E os bons resultados do projeto animam os pesquisadores, que continuam os estudos para melhor adaptar a metodologia inteligente que criaram à realidade médica das UTIs brasileiras. Para isso, a professora Alessandra conta que estão procurando parceiros que queiram testar e ajustar o modelo que desenvolveram.

Máquina não substitui o ser humano, mas funciona como uma ferramenta

Quanto às questões éticas, o professor Fernando Meloni, co-orientador da pesquisa, adianta que o modelo criado “processa as informações técnicas, ou seja, os dados de sinais vitais e biométricos do paciente, auxiliando os médicos a tomarem decisões”. A Inteligência Artificial, segundo Meloni, pode contribuir para “diminuir a subjetividade na tomada de decisão, fornecendo um parâmetro técnico para que o profissional de saúde possa tomar suas decisões de maneira mais segura dentro do ambiente de UTIs”.

Para o pesquisador, aspectos éticos e legais existem e devem ser considerados na tomada de decisão dos profissionais, conforme os códigos de ética e legislação vigentes. O modelo que criaram “considera apenas os critérios técnicos sobre as chances de o paciente sobreviver e pode ser mais uma informação para a decisão tomada pelos profissionais de saúde. A máquina não substitui o ser humano. Pelo contrário, ela funciona como uma ferramenta, fornecendo informações e auxiliando o profissional de saúde”, diz Meloni.

Os resultados da pesquisa estarão em artigo da edição de julho de 2020 da revista Journal of Biomedical Informatics e fazem parte da dissertação de mestrado Uma abordagem multivariada para seleção de atributos para predição de mortalidade em UTIs, defendida por Flávio Monteiro em setembro de 2019.