Cientistas do LPTN (Laboratório de Produtos Tecnológicos Naturais), da UFF (Universidade Federal Fluminense), e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), dentre outras instituições, produziram um inseticida capaz de matar a larva do mosquito Aedes aegypti a partir de um óleo essencial de uma planta nativa da mata atlântica.
Com os extratos da canela-sassafrás (Ocotea indecora), uma planta endêmica da área de restinga, como é conhecida a vegetação que ocorre após a faixa de areia das praias e que faz parte do bioma mata atlântica, o grupo isolou uma molécula em escala nanométrica (muito pequena) que pode ser dissolvida na água, encerrando a fase larval do inseto.
A dengue é uma doença causada por um vírus e transmitida a partir da picada da fêmea do mosquito. Em 2023, o Brasil apresentou um aumento de cerca de 16% dos casos de dengue, com aumento também de mortes -a OMS (Organização Mundial da Saúde) classifica o país como o de maior incidência no mundo.
O composto é também biodegradável e não possui um acúmulo no meio ambiente, problema encontrado em inseticidas comuns no combate à dengue, como os organofosforados (como o DDT, que pode bioacumular em organismos e já foi encontrado no organismo de aves e outros vertebrados de grande porte).
O achado é fruto de mais de 25 anos de pesquisa no local e contou com a colaboração de pesquisadores da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), UFV (Universidade Federal de Viçosa) e UNIFAP (Universidade Federal do Amapá).
O mecanismo de ação do composto foi descrito em um artigo publicado na revista Sustainable Chemistry and Pharmacy.
A canela-sassafrás é encontrada na área do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, que representa a maior extensão contínua de restinga do país, um dos últimos redutos deste tipo de vegetação –ameaçada, porém, pela atividade de petróleo e gás na região.
A extração do óleo essencial utiliza somente partes da planta, sendo que não é necessário removê-la do ambiente para obter o produto, explica o professor e coordenador do LPTN, Francisco Machado. Segundo ele, esse seria um incentivo à preservação da mata, uma vez que o potencial biológico e químico das plantas da restinga ainda é algo a ser explorado.
“Com isso, nós acreditamos no conceito de ‘floresta de pé’, isto é, vale mais a pena preservar essa área de restinga com o potencial de obter um composto que pode ajudar na saúde de milhares de pessoas do que desmatar”, disse.
Já o teste do nanobioinseticida em larvas do mosquito ficou a cargo do entomólogo Leandro Rocha, do Labi (Laboratório de Biologia de Insetos), também da UFF, que ajudou na análise dos efeitos do larvicida no ciclo de vida do A. aegypti.
Os cientistas observaram uma alta mortalidade das larvas do mosquito após a aplicação do produto. De acordo com Rocha, o inseticida age na última fase larval do inseto e tem uma alta especificidade, ou seja, só mata o mosquito, não sendo eficaz contra outras espécies testadas, como em abelhas.
O uso de inseticidas como forma de controlar a incidência de dengue é uma das estratégias do Ministério da Saúde para combate à doença. Porém, o órgão usa em sua maioria os inseticidas organofosforados.
Segundo Machado, essa pode ser uma alternativa natural, biológica e que valoriza a biodiversidade nacional. “A diferença entre o nosso produto e o disponível no mercado é que ele valoriza a biodiversidade brasileira, mais especificamente a Mata Atlântica, um dos biomas mais devastados do Brasil, e por ser um derivado de origem natural, tendo uma taxa de degradação interessante”, afirmou.
Agora, a próxima etapa é conseguir o cultivo da planta, já que por enquanto o seu uso depende do extrativismo do parque. “Por enquanto, temos uma produção só laboratorial mesmo. Então o próximo passo seria fazer uma espécie de cultivo, com as condições controladas, e, se tivermos uma quantidade maior de material, conseguir até uma produção em escala”, completa.
ANA BOTTALLO / Folhapress