PF indicia ex-presidente da Funai, Marcelo Xavier, no caso Bruno e Dom

SÃO PAULO, SP, BRASÍLIA, DF E MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – A Polícia Federal (PF) indiciou o ex-presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) Marcelo Xavier por homicídio com dolo eventual no caso do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips.

A PF alega que Xavier, inclusive por ser policial, tinha conhecimento da realidade e dos riscos que viviam as pessoas que atuavam no Vale do Javari e sabia que um ataque poderia acontecer, mas não agiu diante da situação.

A reportagem tentou contato com o ex-presidente do órgão por telefone e mensagem, mas não teve resposta até a publicação deste texto.

O indiciamento cita o desmonte da Funai, a perseguição a Bruno quando este era da fundação, o pedido de socorro de servidores do Javari desde 2019 (que nunca foi atendido) e uma ação civil pública que demandava que fossem aplicadas medidas de segurança na região, mas para qual não foi dado seguimento.

A PF ainda indiciou Alcir Amaral, também agente PF e que era um dos homens de confiança de Xavier. Ex-coordenador de geral de monitoramento territorial, ele chegou a assumir como presidente substituto da entidade em 2019, na época do assassinato do indigenista Maxciel Pereira dos Santos.

Amaral também não respondeu a tentativa de contato da reportagem.

CONSCIÊNCIA DO RESULTADO CRIMINOSO

A Polícia Federal sustenta a decisão com base no artigo 18 do Código Penal, que pode levar a seis anos de prisão. O entendimento é que o presidente da Funai tinha conhecimento da situação e do seu consequente possível resultado e, ao não agir, “assumiu o risco produzi-lo”.

O mesmo é levado em conta no caso de Amaral.

Segundo a PF, ambos tinham “a consciência das consequências prováveis, bem como o consentimento prévio do resultado criminoso”. Ou seja, sabiam que a situação no Vale do Javari poderia levar a um homicídio.

A polícia vê ainda “deliberada omissão nas devidas medidas de proteção que deveria ter adotado na proteção dos servidores que tinham o dever de fiscalizar crimes ambientais” e cita ainda um “anunciado desmonte da estrutura” da Funai.

O indiciamento lembra ainda uma reunião -de outubro de 2019, na qual funcionários da fundação no Vale do Javari alertaram a direção do órgão para a situação da região- para sustentar que tanto Xavier quanto Amaral tinham conhecimento da situação.

Xavier foi nomeado para a presidência do órgão no governo Jair Bolsonaro (PL) em 2019 e foi exonerado em dezembro do ano passado, a poucos dias do fim do mandato do presidente da República. Ele foi o pivô da saída de Bruno do órgão.

A gestão Lula (PT) escolheu para dirigir o órgão a ex-deputada Joenia Wapichana (Rede-RR).

RELATOS DESDE 2019

Desde 2019, funcionários relataram ao comando do órgão reclamações sobre a falta de proteção para quem trabalhava na região e pediram providências, o que posteriormente reforçou a suspeita de omissão.

O caso de Maxciel, que não foi solucionado, corre em paralelo ao de Bruno e Dom, mas há a suspeita de ligação entre mandantes e autores. Com isso, pode haver o compartilhamento de provas ao longo das investigações.

A gestão de Xavier ficou marcada por acusações de perseguição e assédio moral contra servidores, pela redução na força de trabalho da entidade, por medidas contrárias aos interesses de entidades indígenas e pela proximidade com representantes de garimpeiros, madeireiros e representantes do agronegócio.

Após o então delegado da PF assumir a Funai, em 2019, o indigenista Bruno Pereira, então chefe da Cgiirc (Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recente Contato), pediu para se afastar do cargo.

Ele passou a atuar na Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) e afirmava que obstáculos do governo Bolsonaro e da gestão de Xavier à frente da fundação o impediam de continuar o seu trabalho de defesa dos povos indígenas, sobretudo os isolados.

Pereira acabou assassinado em junho de 2022, no Vale do Javari, junto com o jornalista inglês Dom Phillips. À Folha de S.Paulo, 44 dias antes de desaparecer ao lado do repórter, o indigenista deixou claro seu descontentamento com a gestão da entidade à época.

Durante as investigações sobre o desaparecimento de Bruno e Dom, Xavier chegou a dizer que os dois desapareceram por terem se colocado em risco ao entrar na Terra Indígena (TI) do Vale do Javari sem autorização do órgão.

“É muito complicado quando duas pessoas apenas decidem entrar na terra indígena sem nenhuma comunicação aos órgãos de segurança”, afirmou Xavier.

Durante seu tempo na chefia da Funai, o delegado foi acusado de perseguir funcionários e produzir um relatório ilegal contra um servidor.

Ele também provocou a abertura de um inquérito pela PF para investigar um procurador federal que atua na própria Funai e que elaborou um parecer jurídico a favor dos indígenas.

Xavier é apontado como o responsável pela criação de uma política anti-indigenista dentro da própria Funai e por omissão, junto ao governo Bolsonaro, no caso dos mortos no Vale do Javari.

Essas críticas foram expostas em um dossiê produzido pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e pela INA (Indigenistas Associados, que reúne servidores da Funai).

O documento cita a falta de demarcação de terras indígenas desde que Xavier assumiu o cargo, em 2019, enumera casos de perseguição a servidores e aponta uma ocupação excessiva de militares em cargos importantes.

Xavier foi consultor da CPI da Funai e do Incra em 2017. Articulado pela bancada ruralista, o relatório final da comissão pedia o indiciamento lideranças e entidades indígenas e até de procuradores da República conhecidos por uma atuação de defesa dos direitos desses povos.

Ele mantinha proximidade com o ruralista Nabhan Garcia, que foi secretário especial de Assuntos Fundiários sob Bolsonaro, de quem chegou a ser nomeado assessor -cargo que não assumiu. Também foi assessor de uma secretaria para a questão agrária durante a gestão Michel Temer.

Atuou ainda como ouvidor da Funai, época em que chegou a pedir que a Polícia Federal investigasse ONGs e indígenas. Em 2017, afirmou em uma reunião que ONGs são “canalhas”, que a fundação fazia mal para os indígenas e que os servidores do órgão tinham “comprometimento ideológico”.

VINICIUS SASSINE, JOÃO GABRIEL, JOELMIR TAVARES E FÁBIO SERAPIÃO / Folhapress

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