CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – Em votação apertada, de 8 votos contra 7, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) decidiu abrir um processo administrativo disciplinar (PAD) contra o juiz Rudson Marcos, do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina), que conduziu em 2020 uma audiência de instrução na qual a influenciadora Mariana Borges Ferrer foi humilhada pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho.
O advogado defendia o empresário André de Camargo Aranha, acusado de estuprá-la em dezembro de 2018. Aranha acabou absolvido naquela ação penal e também em segunda instância.
A votação no CNJ ocorreu na terça-feira (23). A maioria dos conselheiros entendeu que o juiz foi omisso na condução da audiência de instrução ao não evitar que a vítima fosse ofendida.
A reportagem tentou contato com o juiz nesta quinta (25), mas não conseguiu localizá-lo.
Na sessão do CNJ, o voto final para desempatar o placar de 7 a 7 foi da ministra Rosa Weber. Ela lembrou que o juiz, como responsável pela condução do processo, é quem detém o poder de polícia na audiência.
“Pode ele permitir que uma parte seja achincalhada, humilhada, maltratada, por qualquer dos outros participantes do ato processual? Eu entendo que não pode. Ao não ter uma intervenção mais efetiva, ele se omitiu. Isso é suficiente para condená-lo? Talvez não. Mas para apurar o procedimento dele, sim”, afirmou Weber ao defender a abertura do processo disciplinar.
A audiência em questão foi realizada em julho de 2020, por videoconferência. Conselheiros que votaram contra a abertura do PAD apontaram que o juiz fez 37 intervenções nos momentos de fala do advogado. Disseram ainda que, na época, os magistrados ainda se adaptavam à realização de audiências por videoconferência, impostas pela pandemia de Covid-19.
“Não consigo abrir um PAD contra um magistrado que, por 37 vezes, tentou fazer com que o advogado se compusesse dentro da audiência e não conseguiu. É deplorável a forma como a vítima foi tratada, não tenho a menor dúvida. Mas, na minha visão, os atos foram praticados pelo advogado, que acabou sendo absolvido na seara administrativa disciplinar [da OAB]”, disse a conselheira Jane Granzoto Torres da Silva.
Já o conselheiro Vieira de Mello Filho, em um voto longo, chamou a audiência de “verdadeiro massacre” e “espetáculo grotesco” de “machismo estrutural”.
“O que se vê nitidamente é uma mulher entre quatro homens se debatendo para que se possa preservar sua dignidade e integridade. Foi uma das coisas mais grotescas e chocantes a que eu já assisti”, disse ele.
Mello Filho e outros conselheiros também chamaram a atenção para a omissão das outras partes presentes na audiência, como a Defensoria Pública e o Ministério Público. Ressaltaram que, embora o CNJ só tenha competência para analisar a atuação do juiz, o episódio revelou uma falha institucional de todo o sistema judicial.
“A vítima de um crime de natureza sexual se vê praticamente sozinha. Extrai-se dos vídeos uma espécie de reverência ao advogado, que fez calar todos os participantes da audiência, com exceção da vítima”, disse Mello Filho. “Trata-se de verdadeira sessão de assédio moral à vítima, agravada pela omissão eloquente dos demais integrantes do sistema de Justiça, em especial do juiz, responsável último pela condução dos trabalhos”, acrescentou.
Imagens da audiência foram divulgadas em 2020 pelo site The Intercept, e o caso ganhou grande repercussão.
Votaram pela abertura do processo disciplinar, além de Rosa Weber e Mello Filho, os conselheiros Luis Felipe Salomão, Sidney Madruga, Marcio Freitas, Salise Sanchotene, Bandeira de Mello e Marcos Vinicius Jardim.
Foram contrários à abertura do processo disciplinar os conselheiros Richard Pae Kim, João Paulo Shoucair, Marcello Terto, Mário Maia, Mauro Martins, Jane Granzoto e Giovanni Olsson.
CATARINA SCORTECCI / Folhapress