SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em busca de reparar diferenças históricas e fortalecer alianças contra ameaças regionais, o premiê do Japão, Fumio Kishida, desembarcou neste domingo (7) na Coreia do Sul e afirmou que seu “coração dói” quando pensa na dor e no sofrimento que foram causados durante o período em que os nipônicos ocuparam o país, de 1910 a 1945, um tabu nas relações entre as nações.
A violência do período de colonização japonesa motivou o total esfriamento das relações entre os dois países durante décadas. Estima-se que 780 mil sul-coreanos tenham sido explorados, 1.300 dos quais estão vivos, e que 200 mil mulheres foram forçadas a se prostituir aos soldados do Exército japonês.
Trata-se da primeira visita em 12 anos de um líder do Japão a Seul, a capital da Coreia do Sul. Em março, o presidente sul-coreano, Yoon Suk-yeol, viajou a Tóquio para reforçar as cooperações bilaterais na área da segurança, em movimento que deu início à transformação na relações entre os dois países.
“Para mim, pessoalmente, meu coração dói quando penso nas muitas pessoas que suportaram sofrimento e dor terríveis nas difíceis circunstâncias da época”, disse Kishida ao comentar sobre o período colonial.
O aceno foi bem recebida por Yoon, que disse trabalhar para tornar as relações entre os países melhores do que nunca. Segundo o sul-coreano, os imbróglios históricos não devem significar que “nenhum passo adiante” possa ser dado para aprofundar alianças diante das crescentes crises internacionais.
Newsletter China, terra do meio Receba no seu email os grandes temas da China explicados e contextualizados; exclusiva para assinantes. *** A aproximação se dá em um momento em que as ameaças nucleares da Coreia do Norte preocupam. Só no ano passado, a ditadura comandada por Kim Jong-un lançou quantidade recorde de mísseis em exercícios militares, vários dos quais caíram perto da costa japonesa. Em abril, Pyongyang testou pela primeira vez um projétil de combustível sólido, que tem armazenamento e transporte facilitados. As atividades tiveram resposta de Seul, Tóquio e Washington, que se juntaram em exercícios militares.
Em nota, o governo sul-coreano informou que os comentários sobre o período colonial não haviam sido combinados com antecedência. O gabinete de Yoon agradeceu o “posicionamento sincero” de Kishida, embora não houvesse tal pedido, e disse que a postura será “muito útil para cooperação futura”.
“A cooperação e a coordenação entre a Coreia do Sul e o Japão são essenciais não apenas para os interesses comuns dos dois países, mas também para a paz mundial e a prosperidade diante da atual situação internacional severa”, disse Yoon em discurso ao lado de Kishida.
Em março, a Coreia do Sul anunciou um plano para indenizar vítimas de trabalhos forçados pelo Japão. A iniciativa prevê que os custos sejam arcados por empresas locais que se beneficiaram de um pacote de doações e empréstimos feito por Tóquio em 1965. À época, a ilha enviou US$ 800 milhões (cerca de R$ 4,2 bi) para Seul, ação que marcou a retomada das relações entre os dois países.
Internamente, a proposta do governo causou indignação às vítimas, que exigiam indenizações e pedidos de desculpas das empresas japonesas envolvidas, e da oposição, que acusa o governo de Seul de se render aos interesses de Tóquio. Pesquisas de opinião apontam que a maior parte dos sul-coreanos não acredita que o Japão tenha feito o suficiente para se redimir do período da ocupação. Neste sábado (6), cerca de cem pessoas protestaram contra a visita de Kishida –manifestações pontuais continuam neste domingo.
Yoon já disse acreditar que o Japão não precisa “se ajoelhar” sobre o que aconteceu no passado. “Fiquei emocionado com tantas pessoas que abriram seus corações para o futuro, sem esquecer as memórias dolorosas do passado”, disse o premiê japonês.
Newsletter Lá fora Receba no seu email uma seleção semanal com o que de mais importante aconteceu no mundo; aberta para não assinantes. *** A aproximação dos países se insere também em um contexto de escalada de tensões na Guerra Fria 2.0 entre EUA e China e da consequente ampliação da presença militar americana na Ásia. Além das alianças militares com Seul e Tóquio, Washington também tem pretende estabelecer bases militares em países como Filipinas, Indonésia, Malásia, Vietnã e Brunei, acossadas pela reivindicação de parte de suas águas pelo gigante asiático.
Tanto os EUA quanto o Japão integram o Quad, grupo que reúne também Índia e Austrália, para fazer frente à China –recentemente, o país formou uma aliança com a Rússia em uma espécie de releitura dos blocos da Guerra Fria. Com o mesmo objetivo Washington tem investido no pacto militar Aukus, que une EUA, Reino Unido e Austrália.
Apesar da falta de um pedido formal de desculpas, a declaração de Kishida e o simbolismo do encontro com Yoon Suk-yeol podem mudar as relações de Japão e Coreia do Sul, disse à agência de notícias Reuters Leif-Eric Easley, professor da Universidade Ewha em Seul.
Antes da visita, o premiê japonês Kishida informou que os líderes discutiram laços bilaterais, bem como questões que despertam o temor na comunidade internacional, caso dos testes feitos pela Coreia do Norte. Ele disse que concordou em permitir que especialistas sul-coreanos inspecionassem a liberação planejada de água da usina nuclear de Fukushima, o que gerou polêmica entre os vizinhos devido a possíveis efeitos ambientais.
Kishida anunciou ter convidado Yoon para a cúpula do G7 marcada para o final deste mês no Japão e também para conversas com o governo americano. No final do ano passado, Tóquio anunciou o maior reforço em seu orçamento militar desde a Segunda Guerra Mundial. O plano de US$ 320 bilhões, na prática, prepara o país para um conflito contínuo e inclui a compra de mísseis capazes de atingir a China.
Redação / Folhapress