BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O presidente do Equador, Guillermo Lasso, dissolveu nesta quarta-feira (17) a Assembleia Nacional, hoje controlada pela oposição, e convocou novas eleições presidenciais e legislativas para interromper um processo de impeachment contra ele, motivado por acusações de desvio de dinheiro.
A medida está prevista na Constituição do país, mas nunca havia sido utilizada antes. Ela permite que o presidente governe por decreto até que novas eleições sejam realizadas, em até seis meses na prática, de acordo com analistas, esse prazo pode se estender a oito meses devido aos ritos eleitorais.
A ferramenta, chamada de “morte cruzada”, pode ser acionada em três casos: se o Legislativo assumir funções que não lhe correspondam, se obstruir o governo “de forma reiterada e injustificada” ou devido a uma grave crise política e comoção interna. Lasso cita esse último motivo no decreto desta manhã.
“Notifique-se o Conselho Nacional Eleitoral para que convoque eleições dentro de sete dias”, diz o documento, que também solicita a notificação do Parlamento, unicameral, ressaltando que não há direito a reparação pela perda dos cargos. “Esta é a melhor decisão para dar uma saída constitucional à crise política e comoção interna que o Equador está enfrentando e devolver ao povo equatoriano o poder de decidir seu futuro nas próximas eleições”, publicou o presidente no Twitter.
O governo de Lasso, um ex-banqueiro de direita de 67 anos, já vinha indicando a possibilidade de publicar o decreto, como declarou o secretário jurídico da Presidência, Juan Pablo Ortiz, na segunda. O próximo presidente eleito assumirá pelos cerca de 18 meses restantes do mandato, até as eleições de 2025.
Pela manhã, militares cercaram o prédio da Assembleia Nacional para impedir a entrada de legisladores ou funcionários. Logo depois, as Forças Armadas e a Polícia Nacional divulgaram um vídeo nas redes sociais dizendo que “manterão inalterável sua posição de absoluto respeito à Constituição e às leis”.
“A posição da Assembleia Nacional de processar politicamente o primeiro mandatário se baseou em uma disposição da Carta fundamental. Da mesma maneira, a decisão do senhor presidente da República de dissolver a Assembleia Nacional se fundamenta no artigo 148 da Constituição, portanto […] deve ser respeitada por todos os cidadãos”, disse o porta-voz militar.
Assim, a situação é diferente da ocorrida no Peru, em dezembro, quando o então presidente Pedro Castillo tentou dar um golpe e foi preso. A dissolução do Congresso também é um dispositivo válido no país, mas exige que o Parlamento rejeite ao menos dois votos de confiança do governo, o que não aconteceu.
No Equador, A Assembleia havia iniciado o processo de impeachment nesta terça-feira (16). Era a segunda vez em menos de um ano que Lasso passava pelo julgamento, que em junho de 2022 ocorreu durante violentos protestos indígenas contra o alto custo de vida e terminou a 12 votos de sua destituição.
Além das dificuldades na governabilidade e da situação econômica, a gestão do presidente vem enfrentando uma grave crise na segurança. A taxa de homicídios no país quase dobrou entre 2021 e 2022, passando de 14 para 25 mortes a cada 100 mil habitantes, e mais de 420 de detentos foram mortos em massacres em presídios, em brigas de quadrilhas de narcotráfico.
Diante da escalada de crimes, Lasso recentemente permitiu que militares patrulhem as ruas, autorizou o porte de armas por civis e declarou estado de emergência e toque de recolher em algumas regiões, como a cidade portuária de Guayaquil, coração econômico do país e origem da maior parte das drogas no Equador. Foi ali que o presidente nasceu e começou sua carreira política.
Ele ocupou os cargos de presidente-executivo do Banco Guayaquil e governador da província de Guayas antes de se tornar, em 1999, ministro da Economia de Jamil Mahuad, presidente que substituiu a moeda nacional pelo dólar. Lasso é considerado um liberal na economia e conservador nos costumes.
No processo de impeachment, o presidente foi acusado de peculato, ou seja, desvio de dinheiro público, por supostamente ter mantido contratos de transportes de petróleo que geraram prejuízos milionários ao país. Ele nega as acusações, dizendo que os contratos foram firmados antes de assumir o poder, e alega que a votação não era válida, pois não contou com um relatório da chamada Comissão de Fiscalização que o havia isentado do crime.
No primeiro dia de julgamento, dois parlamentares apresentaram a acusação, e o presidente se defendeu diante do plenário. Depois, abriu-se o debate em que os congressistas falariam por até dez minutos, o que poderia durar alguns dias. Terminada essa fase, o presidente da Assembleia convocaria a votação final em até a cinco dias. Mas agora todo o processo foi interrompido.
A principal força de oposição a Lasso é a coalizão Unión por la Esperanza (Unes), que reúne movimentos de centro e esquerda que apoiam o ex-presidente Rafael Correa (2007-2017) o ex-líder equatoriano vive na Bélgica desde que deixou o poder e foi condenado por corrupção no país, algo que atribui a perseguição política.
A segunda força é o Partido Social Cristão (PSC), legenda conservadora que se aliou a Lasso nas últimas eleições, mas depois rompeu os laços. A esses grupos se somam integrantes do forte movimento indígena Pachakutik e da Esquerda Democrática, além de outros legisladores independentes.
A maior parte da oposição recebeu a decisão de “morte cruzada” com tranquilidade e deve acatá-la. O PSC, porém, indicou que vai pedir a anulação do decreto à Corte Constitucional, porque considera que não existe uma grave crise política ou comoção interna no país, como alega o presidente.
Esse partido e a Unes, sozinhos, angariavam cerca de 60 das 137 cadeiras da Assembleia, contra apenas 37 do partido governista Creando Oportunidades (Creo) e aliados. Assim, a chance de Lasso ser afastado era vista como significativa, apesar do clima de incerteza que tomava o país eram necessários 92 votos.
Se isso ocorresse, seria o segundo impeachment em 44 anos de democracia no Equador. Em 1997, o advogado Abdalá Bucaram foi retirado da cadeira presidencial após apenas seis meses de mandato, sob o argumento de incapacidade mental. Protestos nas ruas também derrubaram presidentes em 2000 e 2005.
JÚLIA BARBON / Folhapress