Presidente turco pega carona política no voo do 1º caça do país

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Turquia realizou o primeiro voo de seu primeiro caça desenhado e produzido no país, o modelo de treinamento e combate leve supersônico TAI Hürjet, em um passo destinado a colocar o país no seleto clube de nações com tal capacidade.

O voo foi divulgado, com efeito, pelo presidente Recep Tayyip Erdogan em suas redes sociais na terça (25), dois dias depois do evento. Ele enfrenta uma dura campanha pela reeleição no pleito marcado para maio, e tem usado os notáveis avanços da indústria aeroespacial turca como ponto de venda de seu governo -como premiê e, depois, presidente, ele está no poder desde 2003.

Há pouco mais de um mês, ele havia propagandeado os testes em pista de um caça de quinta geração, o TF-X, que deverá voar no fim deste ano. Ali, críticos disseram que ele enganou o público: o modelo não tem turbinas que lhe permitam dizer que são da categoria, caracterizadas pela furtividade ao radar e capacidade de sustentar voo supersônico sem apelar à pós-combustão –a perdulária injeção de combustível extra para acelerar o avião.

Com o Hürjet (jato livre, em turco), contudo, o avanço parece ser bem mais palpável. Ele se propõe a ser um avião avançado da chamada quarta geração, sem recursos furtivos. E, se alcançar a velocidade 1,4 vezes acima do som que promete, é um feito da estatal TAI (Turkish Aeroespace Industries).

A empresa começou a desenvolver o avião em 2017, um ano após o golpe contra Erdogan ter estremecido as relações do turco com os EUA, que se recusaram a extraditar o clérigo muçulmano acusado de engendrar a trama contra o presidente.

A aposta na indústria local, contudo, bateu de frente com a crescente crise econômica turca. Com efeito, de 2021 para 2022, o orçamento militar do país encolheu em um terço, para US$ 6,2 bilhões (R$ 33,1 bilhões no câmbio atual).

É um dispêndio modesto, especialmente quando se trata de um país da Otan com o maior exército da aliança militar ocidental e ativo em conflitos na Síria e Líbia, para não falar na sua influência em favor de Baku na rixa Azerbaijão-Armênia.

Seja como for, o avião voou, cacifando Ancara a entrar no clube hoje com 11 nações capazes de montar um caça, com diferentes gradações de domínio tecnológico: apenas EUA, Rússia, França, União Europeia e, aos poucos, a China têm capacidade completa de fazer motores, fuselagem, aviônicos e sistemas de armas.

Os turcos montaram o F-16 americano que operam, mas sob uma licença com estrito controle da fabricante Lockheed Martin. Outros países acabam filiados aos blocos lógicos da Guerra Fria 2.0, com o Brasil e seu caça sueco Gripen ligado à indústria ocidental, e o Paquistão à chinesa. No caso brasileiro, a linha de montagem do avião no país começou a operar nesta semana.

O motor do Hürjet, aliás igual ao usado pelo americano F/A-18 e pelo Gripen, e diversos sistemas são americanos. Mas isso não pacificou a relação entre os países.

Devido aos estranhamentos políticos com o governo de Donald Trump, Erdogan reforçou os laços com a Rússia de Vladimir Putin e comprou os poderosos sistemas antiaéreos S-400 –hoje em operação na Guerra da Ucrânia. Os americanos estrilaram, dado que os turcos eram importantes parceiros do seu projeto de caça de quinta geração F-35.

Erdogan foi em frente e acabou expulso do programa do F-35, com os primeiros quatro caças prontos sendo deixados na fábrica nos EUA, e chegou a prometer mais cooperação com Moscou. A guerra trouxe novas oportunidades, já que inicialmente Ancara se opôs à entrada na Otan da Suécia e da Finlândia, alegando que os países abrigam opositores considerados terroristas pelos turcos.

A questão finlandesa foi resolvida neste mês, mas a sueca está ainda em aberto, provavelmente com solução até a próxima cúpula da Otan, em julho. O governo de Joe Biden já ofereceu um aperitivo, aprovando um pacote de modernização dos 260 F-16 americanos operados pela Turquia.

É a terceira maior frota do modelo do mundo, atrás de EUA e Israel, e iria ser substituída pelo F-35. Agora, o TF-X em tese deveria ter esse papel, mas o projeto se arrasta mais lentamente, desde 2013.

Já o Hürjet tem como mercado potencial, além de eventuais compradores externos, o conjunto de 174 aviões de treinamento da Turquia, a maior parte antigos T-38 Talon, da americana Northrop, desenhados nos anos 1950.

Tudo isso depende de dinheiro, mas mostra uma disposição que já se via no campo dos drones, os aviões-robôs não tripulados. A fabricante Baykar tornou-se uma estrela no mercado, com seu modelo de ataque e vigilância movido a hélice Bayraktar-TB2 sendo o destaque da curta guerra entre azeris e armênios em 2020.

Na Ucrânia, a grande quantidade do modelo à disposição de Kiev fez diferença no começo do conflito, mas novas táticas russas anularam a vantagem.

No fim de 2022, deu outro salto, com o primeiro voo do drone furtivo a jato Kizilelma, que surpreendeu alguns analistas por ter a configuração de um caça de ataque avançado. Novamente, não se sabe se Ancara terá pernas financeiras para manter o ritmo, mas a ambição é grande.

Há duas semanas, na feira militar LAAD 2023 no Rio, empresas turcas eram das mais chamativas nos estandes no Riocentro, com delegações latino-americanas prospectando de drones a fuzis.

IGOR GIELOW / Folhapress

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