Professor aposentado da USP de Ribeirão Preto atravessa o Atlântico Sul a bordo de pequeno veleiro

Além do desafio físico e o complexo planejamento, o professor Sigismundo Bialoskorski Neto afirma que a longa trajetória em alto mar foi um período de reflexão

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O professor e comandante Sigismundo Bialoskorski Neto durante a travessia – Foto: Arquivo Pessoal

A bordo de um veleiro pequeno de 34 pés, o Kanku-dai V, nome de um movimento do karatê, que significa “contemplando o céu”, o professor aposentado da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, Sigismundo Bialoskorski Neto, capitão da embarcação, de 64 anos, junto de seus companheiros Sergio Boris Davidoff Cracasso, de 56 anos, e Ricardo Nogueira de Athayde, de 45 anos, realizaram a travessia do Atlântico Sul partindo de Ubatuba, no Litoral de São Paulo, até a Cidade do Cabo, na África do Sul.

A travessia de mais de 6 mil quilômetros percorridos, ao longo de 100 dias, teve como principais desafios, segundo o trio, as mudanças climáticas em alto mar e o desafio físico, uma vez que velejaram dia e noite. Mas esses desafios, segundo Bialoskorski Neto, já começaram no planejamento da viagem.

Além dos desafios, o professor também conta que uma travessia desse tipo é um divisor de águas. Existe um antes e um depois da jornada. Ele conta que ao sair de sua realidade e de ambientes extremamente monitorados e controlados, como um shopping ou o conforto do lar, para uma situação onde é necessário entender a natureza, as marés, os ventos e as nuvens leva a uma reflexão interna.

“Você está no meio do oceano, onde tem um horizonte de 360 graus no seu entorno, as noites sem iluminação, um céu profundamente estrelado que se reflete no mar, é uma sensação nítida de que você está em cima do globo terrestre navegando pelo Universo e essa sensação te faz olhar para dentro e descobrir como nós somos infinitos dentro de nós mesmos”, conclui o professor.

Vista do horizonte durante a travessia do Atlântico Sul – Foto: Arquivo Pessoal

Os desafios da travessia

As condições climáticas e das marés, segundo Bialoskorski Neto, são esperadas e não ocorrem de repente. “O mar vai crescendo vagarosamente e o vento vai aumentando de forma com que olhando o céu, vendo as previsões é possível ter uma ideia do que vai ocorrer e se preparar no barco para enfrentar essas situações. Ao se lançar para uma travessia dessas, você já está preparado para essas situações, isso é sem dúvida nenhuma um grande desafio, mas acho que não foi o desafio principal”, comenta o capitão da embarcação.

O planejamento da travessia, segundo ele, foi a etapa mais difícil, pois é preciso anos de preparo para que tudo esteja em sintonia. “Você precisa escolher um barco e precisa preparar este barco, precisa se preparar pessoalmente para que essa travessia possa ser feita com segurança e com sucesso. É como se você fosse subir uma grande montanha como um Everest, é preciso estar bem fisicamente, financeiramente, tecnicamente e espiritualmente, porque na realidade você vai estar no meio do nada durante vários e vários dias enfrentando situações difíceis, o que requer não só força física mas também muito preparo espiritual”, afirma o professor.

Planejamento em terra

Para que tudo ocorresse da melhor forma, o planejamento da viagem contou com um apoio em terra de um meteorologista profissional, comunicação via satélite e por rádio SSB – com apoio de radioamadores -, orientação de nutricionista e orientação médica especializada.

Segundo o professor, é necessário saber o que comer e quanto comer, o quanto de carboidrato precisa cada um por dia, o quanto de comida deve ser levada, o quanto de água é preciso ter e quanto cada um pode beber de água por dia. Caso fosse necessário havia um médico de prontidão que poderia ser contatado e com eles levaram medicamentos hospitalares como anti-inflamatórios e antibióticos com receitas e indicações específicas. “Então, você precisa ter comida e remédio, precisa saber de nutrição porque tem momentos que você fica até 48 horas acordado. É necessário ter força física e de certa forma uma boa alimentação, nutrição, boa hidratação e assim por diante”, conta o professor.

A jornada se transformou em livro

O comandante Bialoskorski Neto conta que durante as noites não dormidas ele registrava suas impressões do dia no celular em um editor de textos como um diário de bordo. Aos finais de semana colocava as anotações no computador com inúmeros erros de digitação, corrigia esses erros e ajustava o texto. “Ficou cada vez mais particular, cada vez mais intimista e de repente isso originou um livro de 250 páginas escrevendo basicamente dois parágrafos por dia durante 70 dias de navegação e 100 dias de travessia”, conta o professor.

Texto: Jornal da USP