SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Festo Omukoto conhecia o sistema. Primeiro, há uma sondagem. Depois, vem a oferta. Ele já havia passado por aquilo e pagado caro. Quatro anos de suspensão que acabaram com sua carreira no futebol. Um gancho que garante ter sido injusto. Ele ainda jura inocência.
Por isso, ao receber nova oferta no início de 2023, decidiu que seria diferente.
“Era um pedido para que eu ajudasse a acertar o resultado de uma partida da liga queniana entrando em contato com alguns jogadores. Havia um grupo de apostadores interessado”, recordou.
Se o Brasil vive escândalo de manipulação de resultados no futebol nacional, com atletas suspensos e empresário preso acusado de liderar quadrilha, a situação no Quênia é muito pior. O clima de impunidade e os baixos vencimentos nos clubes profissionais criam um cenário propício para grupos de apostadores agirem no país. Há equipes da primeira divisão que não pagam a folha salarial há meses.
Em março, o russo Akhiad Rubiev, o ugandense Bernar Navendi e o queniano Martin Munga Mutua entraram em contato com Omukoto. Este teve a ideia: por que não criar uma armadilha para os apostadores e fazer com que fossem presos?
“Respondi que sim, que eu os ajudaria. Mas comecei a me movimentar para fazer com que a polícia os prendesse”, disse o queniano, hoje com 26 anos.
Ele entrou em contato com a KEFWA (sigla em inglês da Associação para o Bem-Estar dos Jogadores de Futebol do Quênia), onde já trabalhava.
“Os apostadores queriam que eu aliciasse gente do Nairobi City Stars. Conhecia algumas pessoas do clube. Conversamos, e elas aceitaram participar. Começamos a estimular os apostadores e fazê-los falar para coletarmos provas. Os dirigentes também estavam sabendo e concordaram. Era uma forma de conseguirmos dar uma resposta aos torcedores que duvidam da integridade dos jogadores”, afirmou Omukoto.
A tensão se deu porque a polícia se recusava a fazer prisões sob a justificativa de que faltavam evidências. Eles continuaram a colhê-las.
Em 14 de março, Rubiev, Navendi e Mutua foram presos por corrupção e manipulação de resultados.
Em entrevista à Capital Sport na época, o CEO do City Stars, Patrick Korir, afirmou que, pela exigência dos apostadores, os jogadores deveriam conspirar para sofrer um gol no primeiro tempo e mais dois até os 30 minutos da etapa final.
“Eles queriam um goleiro, meias e defensores para executar o plano”, informou o dirigente.
Um mês antes, em fevereiro, dois nomes do Mathare United haviam sido suspensos por manipulação de resultados, mas os apostadores não foram encontrados.
Hoje em dia embaixador da KEFWA, Festo Omukoto dá palestras em clubes sobre a ação de quadrilhas de apostadores e conta sua história pessoal.
“É uma maneira de exorcizar tudo o que aconteceu e também de evitar que outros passem pelo mesmo que vivi.”
Ele atuava pelo Kakamega Homeboyz, em 2020, quando foi procurado pelo representante de uma quadrilha. Ele foi apenas um dos integrantes do elenco a receber o contato. A proposta era o pagamento por uma derrota poucos dias depois. Pela versão de Omukoto, todos negaram a oferta, mas não comunicaram os dirigentes sobre o tema. O Homeboyz perdeu o jogo.
“Mas não teve nada a ver com apostas. Vínhamos de uma sequência longa de partidas e estávamos cansados. Foi um jogo normal, desses que você pode ganhar ou perder.”
Segundo Omukoto, a vingança dos apostadores pela recusa em participar foi dizer aos cartolas do Homeboyz que os atletas haviam, sim, aceitado a derrota de maneira proposital. Foram todos suspensos por quatro anos. Omukoto jura inocência. De uma hora para a outra, ele passou de esportista profissional a um pária. Não podia nem treinar com o elenco do Homeboyz.
“Conto a minha experiência para que não se repita. Eu não tinha a menor ideia de que tinha de dizer aos dirigentes, já que tinha recusado a proposta. Também fiquei com medo. Não imaginava que seria suspenso”, declarou.
Em suas palestras, Omukoto descreve aos jogadores os perigos e pede para que fiquem afastados de esquemas de manipulação, por mais tentadores que sejam do ponto de vista financeiro. Tenta apelar ao sentimento de honra, de honestidade, e sugere que pensem na carreira.
Sua suspensão terminará apenas em 2024.
ALEX SABINO / Folhapress