WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Um dos anúncios mais aguardados da política americana aconteceu nesta quarta-feira (24) de um modo um tanto fora do comum.
O governador da Flórida, Ron DeSantis, 44, finalmente anunciou que é pré-candidato à Presidência dos Estados Unidos na eleição de 2024. Mas, ao contrário dos adversários, não o fez em um comício cercado por apoiadores. E sim em uma transmissão ao vivo no Twitter, onde estão menos de um quarto dos americanos, apenas por áudio, junto do bilionário dono da plataforma, Elon Musk.
Uma transmissão recheada de falhas técnicas, com microfones com ecos, longos períodos de silêncio e falhas que fechavam os aplicativos de celular –o moderador, David Sacks, afirmou que isso se deu devido à quantidade de pessoas na transmissão.
A primeira tentativa, com mais de 600 mil pessoas, durou mais de 20 minutos e DeSantis nem chegou a conseguir falar. Na segunda vez, com cerca de 100 mil pessoas acompanhando, o governador conseguiu fazer o aguardado anúncio.
O presidente, Joe Biden, brincou e publicou o site para doações de campanha e escreveu: “este link funciona”. As falhas também viraram piada entre apoiadores de Donald Trump na plataforma.
Agora, DeSantis entra com a bênção de Musk na corrida pela indicação do Partido Republicano à Casa Branca no ano que vem, após meses de expectativa, e formaliza a disputa com Trump, favorito até agora.
O anúncio foi feito no mesmo Twitter que serviu de plataforma para Trump durante seu mandato como presidente (2017-2021), expulsou o republicano após a invasão do Capitólio e o reabilitou recentemente, já sob os desígnios de Musk –ainda que Trump tenha esnobado o ato e não tenha retornado à rede social.
Musk já vinha tendo suas rusgas com Trump –em abril, afirmou em entrevista a Tucker Carlson na Fox News que seria bom “ter uma pessoa normal com bom senso” na Presidência– e agora empresta sua popularidade digital ao governador da Flórida em um terreno onde o ex-presidente navega bem.
O timing, no entanto, não é o mais favorável a DeSantis agora. Há pouco mais de seis meses, no começo de novembro, foi reeleito governador com uma margem folgada de quase 20 pontos de diferença. A vitória contrastava com um Donald Trump tido como derrotado nas eleições legislativas, culpado pela performance abaixo das expectativas do partido no Congresso e alvo de uma série de investigações. Com isso, era considerado um dos nomes mais fortes fo partido para enfrentar Trump em 2024.
Um semestre depois, o jogo é outro. DeSantis é há semanas alvo de bombardeio das alas trumpistas, sobretudo do próprio ex-presidente. A TV americana exibe a todo momento peças publicitárias contra ele, que custaram até agora US$ 13 milhões (R$ 65 milhões). A mais atual o acusa de querer aumentar impostos da população e o chama de “Ron DeSalesTax” –isso porque quando deputado o agora candidato apoiou um projeto de reforma tributária.
Em sua rede social, a Truth, Trump ataca mais o governador da Flórida do que o atual presidente e candidato a reeleição, o democrata Joe Biden. Só nesta quarta-feira, até o começo da tarde, foram seis publicações contra DeSantis e nenhuma contra Biden, quase todas chamando o governador de desleal e com pesquisas que o apontam como mais fraco diante de um candidato democrata.
Além dos ataques, outro fator ajudou a alavancar Trump. O avanço da investigação criminal contra o ex-presidente, que o colocou oficialmente na cadeira dos réus por fraude nas contas de campanha de 2016, aglutinou apoio de outros membros da legenda a ele –o julgamento começará em 25 de março do ano que vem, em meio às primárias do partido.
Toda essa artilharia pesada fez com que a diferença entre Trump e DeSantis alargasse e hoje o ex-presidente tem 53,9% das intenções de voto dentro do Partido Republicano, enquanto DeSantis tem 26%, segundo pesquisa da CNN divulgada nesta quarta. Ainda assim, apesar da larga diferença, o governador da Flórida é hoje o único candidato competitivo contra o ex-presidente.
DeSantis já lançou as primeiras peças publicitárias como candidato. Uma delas exibe o governador como “um presidente para o povo” e associa Biden à inflação, criminalidade e crise nas fronteiras. Também saiu em tour por estados chaves no país e no exterior, como em abril, quando foi a Japão, Coreia do Sul, Israel e Reino Unido.
Militar da marinha com diplomas pelas universidades Yale e Harvard, DeSantis foi deputado de 2013 a 2018, quando deixou a Câmara para assumir o primeiro mandato como governador da Flórida. Venceu a primeira eleição com apenas 0,4% de vantagem sobre o adversário democrata, contando com o apoio de Trump para chegar ao cargo.
Ele era visto como um sucessor natural do ex-presidente, sobretudo pelo apetite para adotar políticas controversas, o que o transformou em um paladino das guerras culturais. Neste mês, assinou lei que proíbe tratamento médico para pessoas trans menores de idade, como terapias hormonais. Outra lei promulgada no mesmo dia impede que pessoas trans usem banheiros e vestiários públicos condizentes com suas identidades de gênero.
Além disso, em abril, baixou o limite para realização de um aborto de 15 para seis semanas de gestação. Também patrocinou a lei conhecida como “não diga gay”, que proíbe o ensino de diversidade sexual nas escolas, e proibiu que trabalhadores da educação perguntem a alunos por que pronomes querem ser chamados.
O republicano cortou ainda o financiamento de cursos sobre diversidade e inclusão em escolas e universidades do estado e bloqueou o ensino de um curso de estudos afro-americanos. Na área de imigração, bancou a viagem de imigrantes do sul do país, que nem na Flórida estavam, para estados democratas no norte, e assinou lei que considera inválidos documentos de imigrantes em situação irregular emitidos em outros estados.
Tudo isso fez com que DeSantis fosse considerado um “Trump sem o drama”, porque soube incorporar as ideias do Maga (“Make America Great Again”, faça os EUA grandes novamente); é jovem, enquanto Trump terá 78 anos no próximo pleito; e não teria o mesmo desgaste com os processos na Justiça e acusações como tentar reverter o resultado das eleições.
Mas seus críticos já começam a atacar também nessa frente. Nikki Haley, ex-governadora da Carolina do Sul e também pré-candidata pelo partido, chama o governador da Flórida de “Trump sem o charme”. DeSantis é criticado por correligionários pela falta de carisma e por não se dar tão bem com membros da legenda.
O governador também enfrentou outros impasses. Comprou uma briga difícil com a Disney, ao tirar a autonomia e isenções de impostos dos parques da companhia. Também foi criticado e perdeu financiadores de sua campanha ao dizer que a Guerra da Ucrânia se limitava a uma disputa territorial.
A disputa republicana fica agora ainda mais apertada. Além de DeSantis, Trump e Haley, conta ainda com o senador pela Carolina do Sul Tim Scott, o ex-governador Asa Hutchinson e o investidor Vivek Ramaswamy. Há ainda outros nomes cotados, como o do ex-vice Mike Pence.
Do lado democrata, Biden é o único candidato competitivo, mas Robert F. Kennedy Jr, sobrinho do ex-presidente John Kennedy, e Marianne Williamson, escritoa de auto-ajuda, também anunciaram candidaturas pela legenda.
THIAGO AMÂNCIO / Folhapress