SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma escavação em um sítio arqueológico em Serranópolis, no sudoeste de Goiás (a 340 quilômetros de Goiânia) revelou um esqueleto fóssil humano completo com idade estimada de cerca de 12 mil anos.
Se isso for confirmado, pode representar o humano mais antigo conhecido para a região do Planalto Central do país.
A pesquisa encontrou também diversos artefatos arqueológicos, restos de fogueiras e outros restos humanos mais recentes, incluindo dez cabeças completas, com idade estimada em 1.600 anos.
Até o momento, a estimativa da idade utilizou a datação de amostras de carvão que estavam próximas do fóssil. O esqueleto foi encontrado deitado no lado esquerdo do corpo e em posição fletida (braços, pernas, pés e mãos dobrados em direção ao corpo), possivelmente resultado de um sepultamento.
Os cientistas agora esperam fazer análises do material ósseo para conseguir determinar a idade exata dos restos mortais.
O trabalho é coordenado pelo arqueólogo Julio Cezar Rubin de Rubin, da PUC Goiás, e conta com pesquisadores de outras instituições brasileiras, como a UnB (Universidade de Brasília), a UFC (Universidade Federal do Ceará) e a USP.
O local de escavação é o sítio arqueológico Gruta do Diogo 2, estudado desde a década de 1970 e onde já tinham sido encontrados diversos objetos cerâmicos e líticos (de pedra), pinturas rupestres e outros vestígios de ocupação humana nos últimos dez mil anos.
“Esse trabalho é resultado de anos de pesquisa na região, mas ele não se iniciou com nossa equipe. Ao iniciar novas idas a campo em 2017 procuramos caracterizar bem a área para saber o melhor local para escavar”, afirmou Rubin.
No sítio, o mapeamento foi feito com um aparelho conhecido como georradar –que emite ondas de frequência e recebe em troca uma “assinatura” indicando a presença de materiais de diferentes composições–, que identificou os melhores locais para escavação.
O equipamento detectou anomalias na rocha, mas não conseguiu afirmar o que era, explica a coordenadora do trabalho de campo, Jordana Barbosa.
Os pesquisadores então começaram a escavar em uma área de 9 m2 e encontraram os primeiros vestígios de fogueiras. “A partir daí, vimos o indício de um crânio. Ampliamos a área para 18 m2, conseguindo assim isolar dez crânios preservados totalmente separados, com idade estimada em 1.600 anos”, afirmou.
Em um mesmo paredão havia amostras de carvão com idades calibradas distintas, o que permitiu mapear a parede da gruta de acordo com as camadas estratigráficas (de deposição dos sedimentos): a cerca de 50 cm de profundidade, a camada apresentava uma idade estimada de 1.000 a 2.000 anos; a 66 cm, onde foram encontradas as cabeças, a amostra indicava uma idade de aproximadamente 1.600 anos; chegando a 1,70 m de profundidade, já estava próximo a 9.000 anos.
O carvão encontrado próximo ao pé do esqueleto fóssil foi datado entre 11.700 a 11.900 anos, portanto, essa é a idade estimada atribuída ao humano.
“Estamos seguros que as datações de radiocarbono são corretas e, portanto, isso pode indicar essa idade de cerca de 12 mil anos do esqueleto humano, sem contar os outros restos e objetos encontrados no mesmo local”, afirmou Rubin.
“É possível que as cabeças tenham sido colocadas ali como um ritual funerário”, explica a bioarqueóloga e professora da USP Veronica Wesolowski. “Existe uma variabilidade nas formas de sepultamento, sendo muito comum entre os grupos pré-coloniais a posição fletida. A colocação de blocos de pedra foi intencional, parte do sepultamento de fato”, diz.
Em março, ela ajudou na retirada dos restos mortais, que foram levados ao laboratório da USP para extração do DNA do osso petroso (da região de trás da orelha) e dentes. Os outros elementos estão em estudo no Laboratório de Estudos Transdisciplinares em Arqueologia da PUC Goiás.
As análises que podem confirmar até qual era a composição desse grupo de humanos que viveu ali por meio do material genético são exatamente as mais caras.
“A nossa sorte foi que conseguimos concluir cinco etapas e já temos uma sexta etapa programada antes que o dinheiro acabasse, mas a maior dificuldade para dar continuidade a pesquisas como essa é a falta de financiamento”, afirma Rubin.
Se confirmada a idade, este poderá ser o humano mais antigo da região, segundo Mercedes Okumura, professora do Instituto de Biociências da USP e coordenadora do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos, que não participou do estudo.
“Sabemos que diferentes grupos humanos exploraram uma grande diversidade de ambientes no passado. É importante, sempre que possível, obter uma datação do próprio osso para ter uma segurança maior sobre essa idade de 12 mil anos”, afirmou.
Matheus Pires, zoólogo e professor da PUC Goiás, integra também a equipe de Rubin e estuda os restos de animais e outros vestígios deixados pelos humanos nas grutas.
“A gruta é também um local de abrigo para diversas espécies animais, não só humanos. Há no sítio a presença de esqueletos de mamíferos, aves e peixes, que podem tanto ter-se acumulado naturalmente, como coletados e preparados por esses povos para alimentação”, disse. “E, nas camadas mais profundas que estão agora ao nosso alcance, é possível inclusive encontrar ossos de megafauna, como preguiças-gigantes e tatus”, conclui.
ANA BOTTALLO / Folhapress