São Paulo tem recorde de motos novas nas ruas e desafio no trânsito

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O corredor entre os carros nunca esteve tão congestionado nas cidades paulistas. Levantamento realizado pelo Detran-SP aponta que a quantidade de motocicletas novas emplacadas no primeiro quadrimestre deste ano, em São Paulo, é a maior para o período desde 2015, quando a série histórica começou a ser catalogada pelo departamento de trânsito estadual.

A invasão das duas rodas é provocada pelo preço e na economia de combustível em relação aos carros, pela mudança de comportamento no consumo a partir da pandemia de Covid-19, com compras pela internet e aplicativos de entrega, e pelas más condições no transporte público, que afastam passageiros.

Segundo os dados do Detran, entre janeiro e abril desde ano foram emplacadas 74.986 motocicletas zero-quilômetro no estado. O número é 30% maior que no mesmo período do ano passado, quando houve 57.566 emplacamentos, e supera todos os anteriores, também entre os primeiros quatro meses.

O crescimento na comparação entre o quadrimestre inicial de 2022 e o deste ano é superior à média nacional, de 25%.

Na capital, proporcionalmente, o total de motocicletas novas nas ruas é ainda maior. Ao todo, nos primeiros quatro meses deste ano foram emplacadas 27.650 motos na cidade de São Paulo, 74% a mais que de janeiro a abril de 2022 –o número atual também supera todos os do período a partir de 2015.

O emplacamento de motos novas cresceu percentualmente mais que o de todos os veículos em geral. De acordo com o levantamento do Detran, nos primeiros quatro meses deste ano foram contabilizados 267.792 emplacamentos no estado, inclusive de motos, contra 224.177 no mesmo período de 2022, ou seja, alta de 19% -na capital, a diferença foi de 18%.

Ainda de acordo com o órgão estadual de trânsito, a frota no estado conta hoje com 4,9 milhões de motos, 25% a mais do que as 3,9 milhões de abril de 2015.

A disparada na venda de motocicletas é um reflexo das condições sociais do Brasil, analisa Pedro Augusto Borges, coordenador de mobilidade segura no Observatório Nacional Segurança Viária.

“A pessoa opta pela motocicleta por ser muito mais barata que um automóvel, tanto no valor de compra quanto no de manutenção”, diz.

Uma Honda CG 160, moto mais vendida neste ano até agora, segundo a Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores), custa a partir de R$ 16,3 mil, no modelo Start, o mais barato.

Já um Fiat Mobi Like 1.0, carro popular de entrada mais comercializado de janeiro a abril, conforme o mesmo ranking, não sai por menos de R$ 68,3 mil.

O preço do combustível também pesou na disparidade das vendas, segundo especialistas. Na última semana de abril, em média, a gasolina comum era comercializada a R$ 5,36 no estado, segundo levantamento da ANP (Agência Nacional do Petróleo).

A Honda CG 160 faz na média até 40 km com um litro de gasolina enquanto o Mobi, até 15 km/l.

É a economia de combustível que faz a família do empresário Leandro Esteves, 46, tirar uma das sete motos da garagem de casa em Itatiba (a 84 km de SP). Entre modelos de alta cilindrada ou para lazer -uma delas, de competição, foi comprada recentemente-, a preferida é uma scooter Honda PCX 160.

“Ela faz 38 km com um litro de gasolina”, afirma o empresário sobre a moto, que é dividida com a mulher, de 44 anos, e o filho, de 19.

O crescimento nas vendas de motos reflete ainda as más condições do transporte público, principalmente nas grandes cidades brasileiras, segundo o coordenador do observatório de segurança viária.

Opinião semelhante tem o engenheiro Sergio Ejzenberg, mestre em transportes pela Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo). Ele aponta um ciclo vicioso provocado pela redução na frota de ônibus em cidades como São Paulo, por exemplo, que provoca atrasos, afugentam usuários para outros modais, e com menos passageiros, diminui ainda mais o número de coletivos.

“A moto é relativamente barata e economiza tempo para o indivíduo”, afirma Ejzenberg. “O valor da hora trabalhada é mais determinante que o preço da passagem do ônibus para muitos”, diz o engenheiro sobre lentidão entre um coletivo e outro, principal queixa de usuários no primeiro trimestre na capital paulista.

A falta de segurança no trânsito, entretanto, preocupa, diz o engenheiro. Uma a cada quatro pessoas mortas no trânsito da cidade de São Paulo, nos quatro primeiros meses deste ano, estava de moto -foram 109 motociclistas de 279 óbitos, conta que inclui pedestres- , aponta o Infosiga, sistema de monitoramento de acidentes de trânsito do governo estadual.

As cidades, em geral, não estão preparadas para essa violência toda, afirma o engenheiro Antonio Clóvis Pinto Ferraz, o Coca Ferraz, professor e coordenador do Núcleo de Segurança no Trânsito da USP de São Carlos.

Nas intervenções de mobilidade urbana com a nova realidade em duas rodas, aponta, é preciso separar a motocicleta dos carros, sobretudo nas vias de maior velocidade. “Moto é um veículo menor, menos visível, entra no ponto cego dos demais”, alerta.

A medida foi adotada no ano passado na cidade de São Paulo, com a implantação da faixa azul. O projeto-piloto teve início em janeiro de 2022 na avenida 23 de Maio, com 5,5 km de extensão.

Segundo a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), em 12 meses foram 98 acidentes envolvendo motos no trecho exclusivo para motocicletas. Desse total, 44 ocorrências não tiveram feridos. Os demais provocaram 59 vítimas, sendo apenas oito com gravidade. Não houve nenhuma morte.

O projeto foi expandido para a avenida dos Bandeirantes, na zona sul. De acordo com a prefeitura, há estudos para criar mais 220 km de faixas exclusivas pela cidade.

Também para separar motocicletas dos carros, a CET diz que implantou 416 “frentes seguras”, espaços exclusivos para elas à frente do trânsito nos semáforos.

O desenho das cidades influencia diretamente os conflitos entre os modais. Por isso, é preciso investimento em planejamento urbano, educação de trânsito e fiscalização, acredita o especialista Pedro Borges.

“Esse é um desafio que sempre vai estar presente em todo o mundo, de como gerenciar os conflitos de todos que fazem parte do processo de mobilidade”, afirma.

FÁBIO PESCARINI / Folhapress

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