Sonhando melhorar a vida dos outros, Terezinha se forma em gestão pública aos 69 anos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A vida de Maria Terezinha da Silva de Souza é parecida com a de milhares de mulheres de sua geração espalhadas pelo Brasil. Dedicação total à família, interrupção dos estudos, trabalho doméstico, entre outros perrengues. Aos 57 anos, ela mudou a chave e hoje, 12 anos depois, conseguiu completar os estudos e se formar em gestão pública, impulsionada pelo propósito de poder contribuir com a melhoria de políticas públicas.

“Escolhi a gestão pública porque gosto de assistir ao telejornal e ver tudo o que está acontecendo, a demora para aprovar um projeto, para aprovar uma lei. Então queria entender o porquê disso e ajudar de alguma forma. Aí resolvi fazer o curso, pois abrange muita coisa.”

Segundo Márcia Regina Ferreira, professora de gestão pública da UFPR (Universidade Federal do Paraná), que lecionou em três disciplinas para Terezinha, ela tinha muita percepção da realidade por causa do que passou na vida e também por conhecer de perto os problemas de quem mora na periferia.

“Com o aprendizado, ela conseguiu também se articular melhor na comunidade dela em relação às pautas necessárias. A participação fica muito mais acessível”, diz a professora.

Terezinha se casou aos 21 anos, e o marido não deixava que ela estudasse. E foi assim ao longo da vida. A partir de 1993, passou a conciliar os afazeres domésticos com a costura, pois havia ganhado uma pequena quantia em uma loteria e pôde comprar máquinas de costura. Foram anos assim.

Em 2010, quando o marido adoeceu, ela passou a ter mais autonomia. A volta aos estudos foi até uma forma encontrada para evitar uma depressão, segundo Terezinha. “Meu marido estava com esquizofrenia. Os médicos até diziam que eu não aguentaria tratar dele. Foram anos difíceis para mim e meus dois filhos.”

Foi naquele momento que Terezinha enfrentou o seu primeiro e, de acordo com ela, único caso de preconceito com a idade. Em uma das aulas, a então professora do EJA perguntou aos alunos quais eram os seus sonhos. Terezinha respondeu que queria entrar na universidade. Após a sua resposta, um outro aluno disse que ela estaria tirando a vaga de outra pessoa se “infelizmente” passasse no vestibular.

“Aquilo me motivou. Segui em frente e não tirei a vaga de ninguém”, disse Terezinha.

Após a morte do marido, em 2016, Terezinha, já com o segundo grau concluído por meio do EJA (Educação de Jovens e Adultos), prestou vestibular pela primeira vez. Não foi aprovada. Tentou no ano seguinte e conseguiu entrar na universidade.

A partir daí, passou a encarar 50 km por dia, entre ida e volta, da casa no município de Fazenda Rio Grande até a UFPR, em Curitiba, para realizar o sonho de se formar no ensino superior.

Durante o curso, Terezinha teve outro baque, com a morte de seu filho caçula, Luis Carlos de Sousa, vítima de Covid-19, em julho de 2021, aos 44 anos. “Foi um momento muito pesado para a dona Terezinha. Ligava para conversar com ela toda semana, para ela se manter animada”, diz Márcia Regina.

“Também houve um acolhimento dos professores com os desafios que ela estava enfrentando na pandemia. Muitos alunos deixaram o curso, mas ela foi até fim.”

Hoje, formada, Terezinha ainda não trabalha na área, mas participa de ações sociais na comunidade. Frequenta uma associação de distribuição de alimentos na região onde mora.

De acordo com Ana Bianca Ciarlini, assessora especial de longevidade da Secretaria de Saúde de Santos, a participação de pessoas mais velhas dentro do serviço público reflete uma tendência sobre o envelhecimento da população no Brasil, que, em 2030, deverá ter mais pessoas com mais de 60 anos do que crianças com menos de 15. Ao mesmo tempo, essa integração pode servir como referência.

“Existem vários perfis de idosos. O que a gente está falando é do idoso ativo, que está produzindo. Há uma contribuição muito forte daquele servidor mais velho podendo passar a sua experiência, a sua bagagem de vida, não só da parte técnica, mas de vivência. Vejo muitas vezes aquele servidor trocando figurinhas sobre a vida com servidores novos, que respinga na parte técnica.”

“No serviço público, quando é jovem, almeja alcançar muito rapidamente os mais altos alicerces. A calmaria só começa quando vai tendo mais idade, quando entende que produzir não é só ganhar bem, mas deixar sua assinatura em cima do que faz, a sua contribuição como ser humano”, completa a servidora.

Para a antropóloga Mirian Goldenberg, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e colunista da Folha de S.Paulo, casos como o de Terezinha deveriam ser encarados com naturalidade pela sociedade, não como surpresa o fato de uma mulher de 69 anos estar se formando no ensino superior.

“Primeiro que eu não consigo enxergar uma pessoa de 69 anos como velho. A mentalidade ainda é muito do século passado, quando as pessoas viviam 40, 50 anos. Hoje estão vivendo até os 80, 90, 100 anos”, diz a antropóloga.

“Ela [Terezinha] vai viver com mais realização pessoal e profissional, com muito mais alegria trabalhando e estudando. O mais importante para envelhecer bem é sentir que é importante, que está contribuindo para outras pessoas, que sua vida tem sentido.”

EMERSON VICENTE / Folhapress

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