SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu na sexta-feira (19) que o decreto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que alterou a composição do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) é inconstitucional. A corte seguiu o voto da presidente do tribunal, ministra Rosa Weber, que destacou a necessidade de dar à sociedade civil poder real de influência em políticas ambientais.
A decisão encerra o debate no Supremo sobre o decreto 9.806/2019, de Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente à época, o agora deputado federal Ricardo Salles (PL), que reduziu de 96 para 23 os integrantes com direito a voto.
O documento foi questionado ainda em 2019 na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 623, julgada na última sexta, pela redução de participação da sociedade civil.
A decisão do STF, com maioria formada na última quinta-feira (18), deve embasar as discussões no Conama para mudar regimento e a composição. Na primeira reunião sob o governo Lula, e com sinalização da ministra Marina Silva a favor da paridade, o órgão aprovou a criação de dois grupos assessores para avaliar os temas.
Além de ser o principal órgão consultivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o Conama regulamenta parâmetros como qualidade do ar e regras de licenciamento ambiental. No voto, a ministra Rosa Weber ressalta que o conselho é um fórum de criação de políticas ambientais e com efeitos para toda a sociedade.
Sancionado em fevereiro deste ano, decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ampliou a composição para 114 membros e criou a até então inédita câmara técnica dedicada a assuntos de mudanças climáticas.
A distribuição entre segmentos, porém, não foi alterada. Hoje o conselho é formado por 44 representantes do governo federal, 27 de estados e DF, 8 de municípios, 22 de entidades de trabalhadores e da sociedade civil, 8 de entidades empresariais e 4 convidados, divididos entre Ministério Público Federal e estaduais, Câmara e Senado.
O voto de Weber diz que essa distribuição retira da sociedade o peso em decisões sobre meio ambiente. “Esse quadro demonstra que os representantes da sociedade civil não têm efetiva capacidade de influência na tomada de decisão, ficando circunscritos à posição isolada de minoria quanto à veiculação de seus interesses na composição da vontade coletiva.”
A ministra já havia suspendido o decreto de Bolsonaro em 2021. O julgamento começou naquele ano, mas parou após um pedido de vista do ministro Nunes Marques.
No voto, Weber afirma que o problema enfrentado pelo STF no caso trata da participação popular em decisões que envolvem o direito fundamental ao meio ambiente e sua proteção.
“A restrição substancial do espaço de representação e participação da sociedade civil nas decisões acerca das políticas ambientais implica em igual medida a redução no âmbito de proteção normativa do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.”
Para Júlia Neiva, diretora da ONG Conectas, a decisão recupera o Conama como fórum de debates reais e vai além do tema ambiental.
“Essa decisão manda um recado para o Estado e para a sociedade brasileira de que precisamos de participação e controle social, escrutínio público para que a democracia funcione. É um dado bastante importante exigir a participação social como algo fundamental.”
Rafael Giovanelli, especialista em políticas públicas do WWF-Brasil, destaca que os argumentos valem para o debate interno que o conselho fará nos próximos meses. “Certamente vai contribuir para a avaliação que o grupo assessor vai fazer sobre a composição atual do conselho.”
Em sua primeira reunião, na última quarta-feira (17), o Conama também aprovou um requerimento de urgência para derrubar a norma de Bolsonaro que dificultou o cadastro de organizações da sociedade civil para o conselho. O tema deve ser votado na próxima reunião, prevista para agosto.
O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.
LUCAS LACERDA / Folhapress