Sudão chega a 3º dia de conflito com 185 mortos e 1.800 feridos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O conflito entre o Exército e um grupo paramilitar no Sudão já matou pelo menos 185 pessoas, e mais de 1.800 civis e soldados estão feridos, afirmou um enviado da ONU ao país africano nesta segunda-feira (17). O confronto chega ao seu terceiro dia com a população entrincheirada em suas casas sob o risco de desabastecimento em mercados e hospitais, além de cortes constantes de água e energia.

O enfrentamento eclodiu no último sábado (15) entre unidades do Exército leais ao general Abdel Fattah al-Burhan, que comanda o país desde o golpe de Estado em 2021, e a milícia RSF (Forças de Apoio Rápido, em português), liderada pelo também general Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti.

O chefe do Exército do Sudão descreveu o grupo como rebelde e ordenou que a antiga facção aliada fosse dissolvida, enquanto ambos os lados reivindicavam avanços sobre o grupo adversário.

Segundo testemunhas ouvidas pela agência de notícias Reuters, houve nesta segunda bombardeios em Cartum, inclusive perto do quartel-general, e em Bahri, cidade vizinha do outro lado do rio Nilo. Fumaça foi vista na pista do aeroporto internacional da capital, onde explosões e incêndios eram transmitidos na TV.

Os dois generais, Burhan e Hemedti, haviam concordado com uma pausa de três horas nos confrontos no domingo (16), um cessar-fogo proposto pela ONU para retirar civis com segurança, segundo a missão da organização no país. O acordo, porém, foi ignorado após um breve período de relativa calma.

O comandante da missão das Nações Unidas no Sudão, Volker Perthes, afirmou estar “extremamente decepcionado” com o fato de que os dois lados “respeitaram apenas parcialmente a trégua humanitária” que haviam aceitado. Mais: Perthes disse ter observado uma intensificação no combate nesta segunda.

No sábado, os paramilitares reivindicaram o controle do palácio presidencial, da TV estatal e de aeroportos em diversas cidades pelo território, incluindo a capital, Cartum.

Agora, o Exército parece ter recuperado o controle da TV estatal, que começou a transmitir vídeos de veículos da facção opositora sendo destruídos, e diz estar no controle de seu quartel-general, apesar de “confrontos limitados” nas proximidades —o RSF, por sua vez, postou vídeos que mostram seus soldados no aeroporto de Merowe, em uma base ao sul da capital e em um quartel-general militar no centro da cidade. Com a guerra de versões, é impossível saber qual força de fato controla a cidade.

Enquanto o Exército afirma que continuará os ataques aéreos até expulsar o grupo da capital, o líder do RSF pede que a comunidade internacional tome medidas contra o que chama de crimes de Burhan, nas palavras de Hemedti “um islâmico radical que está bombardeando civis”.

Atores políticos tão distintos como Estados Unidos, China, Reino Unido, Rússia, Egito e Arábia Saudita, além do Conselho de Segurança da ONU, da União Europeia e da União Africana, pedem um fim rápido das hostilidades que ameaçam piorar a instabilidade da região.

Os esforços dos órgãos regionais se intensificaram no domingo. O Egito se ofereceu para mediar o conflito, e a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento do bloco regional africano planeja enviar os presidentes do Quênia, do Sudão do Sul e de Djibuti o mais rapidamente possível para reconciliar os grupos, de acordo com o gabinete do presidente queniano, William Ruto.

Enquanto isso, escritórios, escolas e postos de gasolina na capital permanecem fechados, e serviços de saúde foram interrompidos. As pontes que ligam Cartum às vizinhas Omdurman e Bahri estão bloqueadas por veículos blindados, e algumas estradas que saem da capital, intransitáveis.

Com os serviços de água e energia cortados em grande parte da capital, alguns moradores se aventuravam a sair para comprar comida, formando longas filas nos poucos mercados abertos. Os estabelecimentos advertiram que só conseguiriam continuar com suas atividades por mais alguns dias devido à falta de abastecimento. Já os hospitais que atendem os feridos estão ficando sem insumos.

Veículos fazem fila para abastecer em posto de gasolina de Cartum, no Sudão, em meio à crise entre o Exército e um grupo paramilitar no país africano – AFP

Médicos também relataram cortes de energia elétrica nas salas de cirurgia e, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, “vários dos nove hospitais de Cartum que recebem civis feridos não têm mais estoques de sangue, equipamentos para transfusão e outros materiais vitais”.

O Programa Mundial de Alimentos da ONU disse no domingo ter suspendido temporariamente todas as operações em áreas atingidas pela fome após três funcionários da organização serem mortos em combates em Darfur, no oeste. O Sudão tem sido afetado por níveis crescentes de fome nos últimos anos.

Antes da explosão de violência, mais de um terço dos 45 milhões de habitantes do país, um dos mais pobres do mundo, já dependia de ajuda humanitária. “Esta é a primeira vez na história do Sudão desde sua independência [em 1956] que se observa tal nível de violência no centro de Cartum”, afirmou à agência de notícias AFP Kholood Khair, fundadora do centro de pesquisas Confluence Advisory, na capital.

Em Darfur, moradores disseram que os combates continuam. “Está mais calmo do que ontem, mas houve artilharia pesada pela manhã”, disse Mohamed, médico da região. Um acampamento para pessoas deslocadas por um conflito anterior foi o mais afetado, disse ele. “Estamos com medo, não dormimos há 24 horas devido ao barulho e ao tremor nas casas. Estamos preocupados com a falta de água, comida e remédios para meu pai diabético”, disse à Reuters Huda, um jovem morador de Cartum. “Há muita informação falsa, todo mundo está mentindo. Não sabemos quando isso vai acabar, como vai acabar.”

Um confronto prolongado aumenta os temores de que o país mergulhe em uma guerra civil enquanto luta contra o colapso econômico. O episódio se dá em um contexto de rivalidade crescente entre Hemedti e Burhan. Os dois haviam unido esforços para derrubar os civis no golpe de Estado há dois anos. Nos últimos meses, porém, discordavam sobre a participação do RSF nas Forças Armadas —embora o regime não rejeite a integração do grupo ao Exército, quer impor condições e limitar seu escopo de atuação.

As facções ainda disputam a formação de um eventual governo de transição, e tensões entre as partes fizeram com que a assinatura de um pacto de passagem para a democracia com apoio da comunidade internacional fosse adiada. As versões sobre o início dos choques são conflitantes —o regime diz que os combates começaram quando integrantes do RSF atacaram suas bases em Cartum, e a milícia afirma ter sido surpreendida com a chegada de soldados a um de seus acampamentos em Soba, ao sul da capital.

Redação / Folhapress

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