SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Quando cheguei ao Napoli, nós treinávamos em um campo enlameado. Quando fui embora, nós treinávamos em um campo enlameado”, constatou Diego Maradona.
A trajetória do argentino no clube e na cidade foi cinematográfica e, para surpresa de zero pessoa, transformou-se em filmes e documentários. A história do craque irascível que, quase sozinho, transformou um time perdedor na principal força do país, antes de mergulhar nas drogas, era boa demais para não ser contada também em livros.
A torcida sulista que ia a estádios do norte da Itália ouvir cantos de que deveriam “se lavar” e pedidos para que as lavas do Vesúvio a varresse da face da terra, tornou-se campeã nacional duas vezes: em 1987 e 1990. Quando o camisa 10 se despediu, em 1991, o Napoli iniciou decadência que o levou à falência e à terceira divisão, em 2004. O renascimento foi lento, mas constante.
Trinta e três anos depois do último título, os napolitanos estão no mesmo lugar em que hoje vive, acreditam eles, Maradona, morto em 2020: no céu.
Com 17 pontos de vantagem na ponta da Série A e a sete rodadas do final do torneio, a equipe pode voltar a ser campeã italiana neste final de semana. Precisa vencer a Salernitana, em casa, neste sábado (29) e torcer para que a Lazio não derrote a Internazionale, em Milão, no domingo (30).
Se não for agora, será depois. É necessária uma reviravolta histórica para que o Napoli não conquiste sua primeira liga na era pós-Maradona.
“O nosso Napoli [do final da década de 1980] era melhor individualmente. Mas, como equipe, o Napoli de hoje é mais forte. É uma das melhores da Europa e muito bonita de ver jogar”, disse à reportagem o ex-atacante Andrea Carnevale, parte do time campeão em 1990.
Não é opinião isolada. Guardiola falou que o time comandado por Luciano Spaletti não é um dos melhores do continente. É o melhor.
Ruud Krol, vice mundial pela Holanda em 1974 e 1978, disse ser o mais forte do planeta. O também holandês Marco van Basten, rival de Maradona e do Napoli como o principal atacante do Milan no final dos anos 1980 e começo dos anos 1990, chamou a goleada aplicada pelos italianos no holandês Ajax por 6 a 1, na atual temporada, de “massacre”.
“É o estilo de futebol que todos querem ver em campo. A velocidade é incrível”, elogiou outro ex-milanista rival de Carnevale e Diego: Ruud Gullit, conterrâneo de Krol e Van Basten.
“Este Napoli entra em campo sempre para correr riscos para conseguir a vitória. Não joga de forma cautelosa. Por isso é tão interessante de ver. Tem enorme determinação”, observou Carnevale.
Maradona e os brasileiros Alemão e Careca levaram o clube ao título há 33 anos de forma dramática. Assumiram a liderança apenas na penúltima rodada, ao bater o Bologna e acompanhar o Milan ser derrotado pela Hellas Verona de forma surpreendente.
Ajudou a conquista a decisão da Federação local de dar ao Napoli vitória por 2 a 0 sobre a Atalanta. O placar era de 0 a 0, mas Alemão foi atingido na cabeça por uma moeda atirada da arquibancada.
O Napoli de 2023 é a vitória não apenas em campo, mas da capacidade de avaliar talentos no mercado. Nem deveria ser campeão agora. Antes do início da liga, perdeu a espinha dorsal do elenco que chegou perto do troféu nos últimos anos, mas sempre naufragou na reta final.
O maior artilheiro da história da agremiação, o belga Dries Martens (148 gols), não teve o contrato renovado. O mesmo valeu para o atacante polonês Arkaduisz Milik, o capitão Lorenzo Insigne e o goleiro colombiano David Ospina. A venda do zagueiro senegalês Kalidou Koulibaly para o inglês Chelsea foi tão chocante que Spaletti chegou a dizer, de brincadeira (mas não tanto assim), que se acorrentaria ao portão do estádio Diego Armando Maradona para impedi-lo de ir embora.
Os torcedores ficaram furiosos. Em uma apresentação do elenco de pré-temporada, o técnico chegou a dizer para um deles calar a boca.
Por empréstimo, foram contratados o volante francês Tanguy Ndombole e o atacante argentino Giovanni Simeone. O meia camaronês Anguissa chegou do Fulham, da Inglaterra. O sul-coreano Kim Minn-jae foi adquirido do Fenerbahçe, da Turquia, e conseguiu o impensável: substituir Koulibaly. O desconhecido meia-atacante Khvicha Kvaratskhelia estava no Dinamo Batumi, de Geórgia, e foi apelidado de Kvaradona. O gasto total foi de 64 milhões de euros (R$ 351,5 milhões na cotação atual).
O nigeriano Victor Osimhen, comprado há três anos por 70 milhões de euros (R$ 384,5 milhões), desandou a fazer gols. Com 21, é o artilheiro do campeonato. O volante eslovaco Stanislav Lobotka foi comparado a Iniesta por Spaletti.
Era a tempestade perfeita para fazer o Napoli voltar a ser campeão.
Réplicas da máscara de Osimeh, que usa a proteção por causa de fratura nos seios da face, é o segundo item mais comprado por torcedores em dias de jogos.
Perde apenas para os artigos que remetem a Maradona, ainda o rei de Nápoles. Sua imagem está presente em centenas de murais pela cidade. Mas pelo menos agora a torcida do Napoli não precisa se apegar apenas às lembranças de um passado vencedor.
ALEX SABINO / Folhapress