Tratar Covid leve e moderada com anticoagulante não traz benefício, mostra estudo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma das grandes apostas na pandemia e ainda usados por médicos no tratamento da Covid, os anticoagulantes não trazem qualquer benéfico a pacientes com as formas leves e moderadas da doença.

A conclusão é de um estudo multicêntrico da Coalizão Covid-19, uma aliança para condução de pesquisas que envolve várias instituições brasileiras, que testou o uso ambulatorial da anticoagulação. O trabalho foi publicado na edição de junho da revista The Lancet.

Os resultados têm causado repercussão na comunidade científica internacional porque, durante a pandemia, muitos médicos adotaram como tratamento de rotina os anticoagulantes, mesmo sem evidências científicas que amparassem a conduta.

No novo estudo, foram acompanhados 660 pacientes não hospitalizados. Metade deles recebeu anticoagulante e a outra, placebo e cuidados de rotina a pacientes sintomáticos de Covid.

O estudo investigou se 10 mg de rivaroxabana, uma vez ao dia, por 14 dias, reduziria o risco de eventos tromboembólicos venosos, necessidade de ventilação mecânica, infarto, AVC (acidente vascular cerebral), isquemia aguda de membro ou morte por Covid-19 nesses pacientes.

Os resultados apontaram que não houve nenhuma diferença significativa entre o grupo que usou o medicamento rivaroxabana e o grupo controle.

“Além do nosso estudo, fizemos uma metanálise, e não há benefício. Baseado na evidência existente, não há indicação de anticoagular o paciente ambulatorial com diagnóstico de Covid”, diz o cardiologista Álvaro Avezum, diretor do Centro Internacional de Pesquisas do Hospital Oswaldo Cruz (SP) e autor principal do estudo.

O médico afirma que, do ponto de vista de segurança, não houve nada que justificasse não indicar a medicação. “Houve sangramento em excesso? Não. [a não indicação] Foi por falta de eficácia mesmo.”

A Covid-19 está associada a um risco aumentado de trombose arterial e venosa, e estudos já demonstraram que os anticoagulantes reduzem o risco de tromboembolismo em pacientes graves hospitalizados. Mas até aí não tem nada de novo, porque já é rotina administrar anticoagulantes a pacientes internados em UTIs para reduzir o risco de trombose.

Segundo ele, durante a pandemia, muitos profissionais usaram a anticoagulação em pacientes ambulatoriais de forma off-label por inferirem, mesmo sem evidências científicas, que ela evitaria os eventos trombóticos associados à Covid.

“Também mediam marcadores de coagulação, como o dímero D, e se eles tivessem aumentado, viam racionalidade para usar [a anticoagulação]. Tá errado também, não tinha dados para isso. Foi tudo muito baseado em fisiopatologia [condições observadas durante um estado de doença] e crenças.”

O cardiologista reforça que a orientação de não tratar doentes leves de Covid com anticoagulantes está restrita a casos em que não há uma indicação anterior para o uso da medicação.

Na opinião de Avezum, o estudo é importante para nortear condutas médicas. “É muito mais útil a gente confirmar que não tem indicação e parar de usar. É uma lição para gente não ficar usando tratamentos promissores. Promissor é não provado, é só uma etapa, e não o fim em si. Promissor tem que se converter em provado, o que não foi o caso [da anticoagulação].”

Segundo o médico e pesquisador Raphael Prudente, que também participou do estudo, ainda hoje há colegas indicando a anticoagulação a pacientes ambulatoriais de Covid, mesmo sem o amparo da ciência.

“[o pensamento é] Vamos anticoagular porque, quanto mais cedo anticoagular, mais a gente evita trombose e outras repercussões da doença.”

Para ele, a resposta do não benefício da medicação trazida pelo estudo é tão importante quanto se tivesse sido favorável ao uso. “Ótimo se anticoagulação melhorasse, mas ótimo também eu saber que não posso usar. Foi assim com a azitromicina, a ivermectina e a hidroxicloroquina [medicações sem evidências de benefícios para Covid].”

Segundo Prudente, os resultados servem também para alertar a população sobre a importância de confiar em condutas médicas embasadas nos protocolo científico. “Na pandemia, a gente viu muita conduta que não tinha sentido e ainda hoje estamos vendo os reflexos. Vacinas estão sendo jogadas no lixo porque as pessoas não estão se imunizando.”

CLÁUDIA COLLUCCI / Folhapress

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