BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – A ultradireita saiu na frente na eleição do conselho que discutirá a nova Constituição do Chile, que foi às urnas neste domingo (7) depois de ter rejeitado uma primeira versão do texto em setembro do ano passado. Se confirmado, o resultado é mais uma derrota ao presidente Gabriel Boric, de esquerda.
Com mais de 45% das mesas apuradas, o Partido Republicano elege quase metade dos representantes até o momento (23 dos 50 conselheiros). Em segundo lugar, vem o grupo governista de esquerda Unidad para Chile (16 vagas). Depois aparece a lista Chile Seguro, da direita tradicional (11 vagas).
Um candidato indígena também leva a 50ª posição. Já a coalizão de centro-esquerda Todo por Chile e o Partido de la Gente, mais à direita, não conseguem nenhuma cadeira, assim como os três candidatos que concorreram de forma independente.
Somando as forças políticas, a direita termina com mais da metade do conselho eleito, o que é considerado um resultado histórico para um país que nunca viu uma vitória desse lado do espectro político em eleições parecidas com essa, como as legislativas.
Formado em sua maioria por políticos, o grupo vai receber em junho um pré-projeto que está sendo escrito por 24 especialistas, principalmente juristas, e vai debatê-lo até outubro. Após alguns trâmites, a Carta passará por um novo plebiscito em dezembro. Além de partir de uma base, esses conselheiros terão de respeitar 12 princípios já acordados, como a constatação de que o Chile é uma república democrática, com um Estado unitário, descentralizado e formado pelos Três Poderes.
Também já é consenso que Banco Central, Justiça Eleitoral, Ministério Público e Controladoria são independentes. A nova Carta Magna substituirá a que está em vigor hoje, redigida em 1980, durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
Esta eleição, com voto obrigatório, foi considerada uma régua da popularidade de Boric, desgastado pelo fracasso da última tentativa e por outras derrotas políticas recentes. Também era esperado que o pleito medisse o fortalecimento da direita, impulsionada por crises na economia e na segurança.
“É uma vitória absoluta do Partido Republicano e um desempenho do partido governista muito aquém das expectativas, assim como da centro-direita, o Chile Seguro”, diz o advogado e analista político Esteban Montoya, ex-assessor de Sebástian Piñera, ex-presidente de direita.
Segundo ele, as três principais pautas da legenda de ultradireita são a segurança, uma posição anti-imigração e um sistema econômico que pende mais para o privado do que para o público. A sigla também é muito criticada por defender aspectos da ditadura de Pinochet.
O resultado deve trazer ainda mais dificuldades para a governabilidade de Boric. Ele já teve que fazer duas reformas ministeriais importantes desde que assumiu o país, em março de 2022, para levar o governo mais ao centro do espectro político, após sofrer a rejeição da reforma constitucional e também da tributária.
O pleito deste domingo foi marcado por um clima de apatia entre os chilenos. Eles foram às urnas pela sétima vez em pouco mais de dois anos, considerando a soma de eleições municipal, estadual e presidencial, além de primárias e plebiscitos. Por isso havia uma expectativa negativa sobre o nível de participação da população neste domingo.
A percepção é a de que as pessoas estão em outra sintonia. Depois de uma década de estabilidade, o país vive retração econômica, com alta da inflação, da pobreza, da informalidade e dos crimes. Também passa por uma crise migratória, com a chegada de venezuelanos e peruanos.
Foram esses temas que pautaram a campanha morna desse pleito, que durou apenas duas semanas e se concentrou nas redes sociais, sem muitos eventos nas ruas nem debates programáticos. Segundo analistas, a discussão foi mais identitária, entre esquerda e direita.
A demanda por uma nova Carta Magna começou no final de 2019, com o que ficou conhecido como “estallido social”: protestos em massa que tiveram como gatilho o aumento do valor da passagem de metrô. Algo parecido com os atos de junho de 2013 no Brasil, só que mais extenso e violento.
Um ano depois, 78% da população apontou em plebiscito voluntário que queria um novo texto. Boric assumiu a Presidência nesse contexto, prometendo concretizar a mudança, mas viu o primeiro projeto fracassar e se distanciou do debate.
A última redação, com quase 400 artigos e conduzida por uma Assembleia Constituinte composta por 154 pessoas, em sua maioria cidadãos comuns, foi rejeitada por 62% da população. O processo foi marcado por inexperiência e desordem por isso a opção agora por um perfil mais político do que independente.
Esta é vista como a última oportunidade para o Chile enterrar a Constituição de Pinochet no curto prazo. Se a nova proposta for novamente rejeitada, a avaliação é de que será muito difícil tentar uma terceira vez.
A REFORMA CONSTITUCIONAL DO CHILE
– Out-nov.19 Protestos em massa pedem mudanças profundas no país
– Out.20 Em plebiscito, 78% dos chilenos dizem querer nova Constituição
– Mai.21 População elege Assembleia Constituinte, com 154 cidadãos
– Mar.22 Gabriel Boric assume a Presidência no lugar de Sebastián Piñera
– Set.22 Texto apresentado é rejeitado por 62% dos chilenos em plebiscito
– 7.mai Chilenos elegem novo conselho para discutir a proposta de Constituição, com 50 políticos
PRÓXIMOS PASSOS
– 7.jun Conselho começa a discutir pré-projeto elaborado por especialistas
– 7.out Conselho entrega proposta para revisão de uma comissão
– 7.nov Texto é finalizado com todas as revisões discutidas
– 17.dez Novo plebiscito aprova ou rejeita a nova Constituição
JÚLIA BARBON / Folhapress