SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um ano após a megaoperação policial que dispersou a cracolândia pelo centro de São Paulo, a prefeitura registrou quase 20.000 entradas de usuários de drogas em centros de tratamento municipais, o dobro do calculado nos 12 meses anteriores.
Mesmo assim, a violência na região aumentou e ao menos oito ruas foram comprometidas com a concentração de pessoas em cena aberta de uso.
Desde 11 de maio do ano passado, quando a praça Princesa Isabel deixou de ser o endereço principal da cracolândia, a aglomeração de dependentes químicos deixou de ter um ponto fixo na cidade, como aconteceu por mais de 30 anos, e, atualmente, ocupa três ou quatro ruas do bairro Santa Ifigênia.
A presença da cracolândia em vias onde há mais residências e comércios em comparação com o antigo endereço -no entorno da praça Júlio Prestes, ponto de concentração de usuários por mais de 30 anos- tem causado transtornos aos moradores que mudaram a rotina na tentativa de escapar da criminalidade.
Nos primeiros três meses deste ano, houve 54% mais furtos na região da delegacia que atende o bairro de Campos Elíseos, que abriga parte da cracolândia, em comparação mesmo período de 2022. Em relação aos roubos, o aumento foi de 26,5%.
O registro desses delitos se manteve em alta por 15 meses até maio deste ano, quando houve uma ligeira redução após um aumento do policiamento. Em abril, os distritos policiais que atendem a região registraram quedas de 24% e de 13% em furtos e roubos, respectivamente, segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP).
“Hoje, a cracolândia está na Santa Ifigênia e afeta dois grandes centros comerciais, de peças para motos e de eletrônicos, por isso, faz muito mais barulho do que antes”, diz o secretário de Projetos Especiais, Alexis Vargas, órgão municipal responsável pela gestão da cracolândia. “Mas, antes, quando estava concentrada na praça Júlio Prestes, a cracolândia causava mal para a cidade como um todo”, continua.
Os centros de tratamento para onde é encaminhada a maioria dos usuários que aceitam sair da cracolândia ficam próximos às cenas de uso e funcionam como um acolhimento temporário, onde há baixa exigência de abstinência. Ou seja, o acolhido tem acesso a refeições, atendimento médico e higiene, mas não são impedidos de voltar à cena de uso enquanto estão lá. A permanência nesses equipamentos, em média, é de dois meses, de acordo com a prefeitura.
Segundo o secretário Vargas, a média diária de pessoas encaminhadas a esses centros e, portanto, retiradas da cracolândia, subiu de 45 para 71 em um ano. Maior parte desses encaminhamentos é feito por equipes de saúde que conseguem convencer mais usuários a deixar as ruas quando há alguma necessidade de atendimento médico, seja para tratar uma ferida ou algum problema mais complexo.
Diante disso, diz o secretário, a estratégia a médio e longo prazo da gestão municipal é aumentar o número de usuários encaminhados aos centros de tratamento como uma forma de reduzir a quantidade de pessoas em busca de drogas nas ruas.
A curto prazo, a estratégia tem sido evitar a permanência de grupos grandes de dependentes químicos em uma mesma rua na tentativa de reduzir o incômodo entre moradores e comerciantes. “Não determinamos onde eles vão ficar, mas se uma rua está ocupada há muito tempo, vamos lá e a liberamos”, diz. “É como acupuntura, agimos em pontos específicos a depender da situação”, continua.
Essa movimentação é feita por meio da zeladoria, quando os usuários são deslocados para vias próximas para equipes de varredores e caminhões de lixo fazerem a limpeza. Em um ano, foram 730 ações feitas por 90 agentes. No período anterior, entre maio de 2021 e abril de 2022, foram 1.095 limpezas realizadas por 100 funcionários municipais.
Apesar de ter dobrado o número de encaminhamentos, ainda é baixo quando comparado aos dados de abordagem. Entre abril de 2022 e março, a prefeitura contabilizou 96.592 abordagens na cracolândia, com 19.979 encaminhamentos a centros de tratamento. O secretário considera que a abordagem é efetiva.
Ao mesmo tempo em que a prefeitura dobrou os atendimentos, o trabalho da Polícia Civil diminuiu na cracolândia. A 1ª Delegacia Seccional do Centro, responsável pela região, realizou 205 ações na cracolândia desde maio de 2022. No ano anterior, foram 233, de acordo com dados disponibilizados pela SSP.
No período, os policiais civis também prenderam menos suspeitos. No último ano, foram efetuadas 275 prisões ante 289 entre 2021 e 2022. Em nota, a SSP informou que as ações policiais na área central foram intensificadas pela ampliação com a comunidade na região e que “estão fomentando esse início de reversão do cenário local que degradou, por décadas, a segurança local”. As investigações da Polícia Civil tiveram reforço de 50 agentes, segundo a pasta.
Em relação à apreensão de droga, a GCM (Guarda Civil Metropolitana) recolheu mais entorpecentes do que a Polícia Militar. Desde maio do ano passado, a PM apreendeu 1 quilo de entorpecentes enquanto os agentes municipais, 7 quilos. Entre maio de 2021 e 2022, a PM conseguiu interceptar 16 quilos de drogas e a GCM, 209 quilos.
MARIANA ZYLBERKAN / Folhapress