GUARULHOS, SP (FOLHAPRESS) – “Cara, por que essa mina não vê o jogo quieta?”
O que irritava o quase inexistente público no estádio Antônio Soares de Oliveira, em Guarulhos, eram os gritos de Nicolly Amorim. Ela repetia, aos berros, a cada 30 segundos, um “vai, Thiago” com som estridente. Como se, sozinha, pudesse fazer o namorado decidir a partida.
Era uma missão inglória. Thiago é o camisa 7 do Atlético Mogi, que ganhou no ano passado o apelido de “pior time do mundo”. Herdou a alcunha usada para antes definir o folclórico Íbis. Em 2022, a equipe da região metropolitana de São Paulo chegou a 54 partidas sem vencer. Bateu o recorde negativo dos pernambucanos.
O Atlético estreou neste domingo (23) naquela que é a sua casa, a Segunda Divisão estadual. Apesar da nomenclatura, é o quarto e último patamar do futebol paulista. Como esperado, o time aumentou o jejum para 55 jogos ao ser derrotado por 2 a 0 pelo Guarulhos.
“Quando ele me disse [sobre jogar no Atlético Mogi], eu falei para ele sobre a fama do time, eu me lembro de ter lido a história [da quebra de recorde] do Íbis. Ele sabe. Pai de jogador sofre. Pai de goleiro, então…”
Ronald Godoi é pai do goleiro Tiago. Ao lado da mulher Selene, da namorada do filho, Giovana (“pode colocar aí que é a melhor nora do Brasil”, diz), e do amigo Silas, assiste calado ao sofrimento em campo. A bola passa tantas vezes pela área que grandes defesas são possíveis e falhas, quase inevitáveis. Aconteceram ambas.
Godoi afirma ficar angustiado, mas não demonstra. Como se estivesse preparado para o que vê. A especialidade do Atlético Mogi tem sido sofrer gols.
Na sequência de 55 partidas, foram 229, média de 4,16 a cada 90 minutos. No campeonato do ano passado, levou 8 a 0 do Joseense, 6 a 0 do Manthiqueira e 6 a 1 do Flamengo de Guarulhos. O ataque anotou 25 vezes.
A última vitória ocorreu em 17 de junho de 2017: 1 a 0 sobre o Real Cubatense, em casa. O time não foi o último colocado do seu grupo naquela temporada porque o Guaratinguetá desistiu da competição. Tem sido o lanterna todos os anos desde então. Não foi rebaixado apenas porque não tem para onde ir. Não há quinta divisão em São Paulo.
“A gente encara como um desafio. Ele sabe existir um tabu e foi para o clube para mudar isso. É uma motivação”, diz Pedro da Silva Júnior, que pede para ser chamado de Nei, pai de Brendon, o camisa 10 do Atlético Mogi. Ao lado da esposa Claudia, ele pede calma ao filho em campo. O armador é quem mais reclama da maneira como a partida se desenvolve. Busca a bola o tempo inteiro, mas não consegue mudar o placar.
O Atlético Mogi é presidido pelo empresário Roberto Costa. O perfil do clube no Facebook mostra fotos dele na Europa, em busca de parceiros. Dizem as postagens que o objetivo das viagens era montar equipes e negociar jogadores. Segundo pais de atletas ouvidos pela reportagem, ele afirma ter contatos para fazer transações com times internacionais.
Em 26 de dezembro de 2022, a agremiação publicou texto anunciando estar à procura de interessados em levar atletas de 18 a 23 anos para a disputa da Segunda Divisão. “Buscamos parceiros investidores que tenham interesse em fazer uma parceria séria com jogadores qualificados para em seguida ser negociados com clubes no mercado internacional através do Atlético Mogi, onde temos as melhores parcerias”, diz o comunicado.
Manter o registro na FPF (Federação Paulista de Futebol) custa muito dinheiro. Apenas para validar um clube profissional, a taxa é de R$ 800 mil.
A Folha de S.Paulo tentou entrar em contato com Costa, mas ele não atendeu às ligações.
Os jogadores do Atlético Mogi não recebem salários. A expressão usada por eles para se referir ao torneio é “vitrine”. É chance de aparecer para obter outro emprego, acreditam. Salvo uma surpreendente classificação, a temporada da equipe dura dez rodadas e deve terminar em 24 de junho, de novo em Guarulhos, só que contra o Flamengo.
Eles se viram como podem. Há os que juntam dinheiro durante o ano para conseguir uma reserva financeira e ir à procura do sonho de jogar futebol profissional. Outros contam com o apoio dos pais. Thiago, o camisa 7, tem uma loja de camisas de futebol online, mantida com a namorada Nicolly.
Ela em nenhum momento se incomoda com os olhares enviesados por causa dos gritos para o atacante.
“Nossa, já arrumei tanta briga por causa dele…” afirma.
O público que vai ao estádio ver o Atlético Mogi é composto por familiares e namoradas de jogadores. São torcedores deles, não da equipe. No estacionamento do estádio, apenas um carro tem placa de Mogi das Cruzes. O elenco nem treina na cidade. Faz as atividades em um centro na Vila Mariana, zona sul da capital.
Cobrança de falta do Guarulhos contra o Atlético Mogi, na primeira rodada da quarta divisão do estado Ronny Santos/Folhapress Cobrança de falta do Guarulhos contra o Atlético Mogi, na primeira rodada da quarta divisão do estado **** O futebol não representa esperança apenas para os jogadores que atuam em uma liga que na teoria é profissional, mas não recebem um centavo. É o sonho de que tudo pode mudar de uma hora para outra, mesmo na quarta divisão do estado. Vale para quem os acompanha também. A fé de que uma vitória do Atlético Mogi pode mudá-los de patamar porque serão notícia.
“Uma vitória vai fazê-los ir do inferno para o céu. No dia da vitória, muda tudo”, acredita Ronald, pai do goleiro Tiago.
Pode ser, mas não foi no último domingo. As coisas pareciam promissoras até os 13 minutos do segundo tempo. Disciplinado taticamente, o Atlético Mogi chegou a ameaçar no ataque e segurava o empate. Mas Samuel anotou duas vezes para o Guarulhos, e o lateral Messa foi expulso. Acabou.
O segundo gol, para piorar o ânimo de Ronald, de Selene, Silas e da melhor nora do Brasil, foi com falha de Tiago. Eles ficaram impassíveis diante dos gritos de “frangueiro” da torcida local. Pouco antes, o goleiro havia evitado um gol certo do Guarulhos.
Com o tempo correndo e a derrota consolidada, os “torcedores” visitantes ficaram amuados, quase todos com o olhar no celular. Mesmo o público de Guarulhos começou a ir embora, com a certeza de que o resultado estava garantido.
A próxima rodada trará o confronto com um rival local. Em dois jogos no ano passado, o União Mogi fez 15 gols no Atlético.
O único que permaneceu animado foi o cachorro Brutus, que vive no estádio.
“Ele está assim porque tem gente pisando no gramado. Ninguém pode entrar no campo, não. Só ele”, disse funcionário do local.
ALEX SABINO / Folhapress