Vale do Anhangabaú já passou mais de 100 dias cercado após concessão

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, já passou 105 dias cercado por grades e tapumes desde o início da concessão à iniciativa privada, em dezembro de 2021. Os bloqueios são colocados para a montagem de palcos e realização de eventos particulares, como shows e festivais. A área de interdição varia conforme público e tamanho do evento.

“Onde está o meu direito de ir e vir?”, indagou o zelador Vivandir Ribeiro, 56. Ele mora na avenida São João, que cruza o vale, e passou mais de duas semanas convivendo com tapumes na porta de casa. A estrutura foi instalada para a realização de um festival de música eletrônica nos dias 21 e 22 de abril.

Bem em frente ao prédio de Vivandir, um dos quatro palcos do megaevento bloqueava a passagem. “Eles não deixam nem morador passar. Pra ir na farmácia tive que subir a Libero Badaró e cruzar o viaduto do Chá. Uma volta enorme, sendo que em dias normais levo cinco minutos atravessando pelo vale”, reclamou.

Ocorrido no feriado de Tiradentes, o festival Ultra Brasil, atraiu 40 mil pessoas, com ingressos a partir de R$ 425 (meia-entrada). A montagem dos palcos, que ocuparam toda a área do vale, incluindo a pista de skate e a travessia da avenida São João, começou bem antes. De acordo com o Diário Oficial da cidade, a empresa foi autorizada a bloquear a área desde o último dia 6.

Comerciantes também se sentiram prejudicados. “Nosso movimento caiu em 80% nessa semana. Desse jeito não tem nem espaço pra colocar mesa na calçada e servir os clientes”, disse João Ferreira, 53, dono de uma lanchonete.

Outro lojista, que preferiu não se identificar, disse ainda que a situação favorece a ação de assaltantes, já que o pedestre é obrigado passar por um caminho estreito e com baixa visibilidade. Questionada, concessionária Viva o Vale disse que contrata serviços de monitoramento por câmeras e seguranças particulares para atuar no local.

A empresa é responsável pela gestão do vale do Anhangabaú e assumiu o compromisso de transformá-lo num “espaço de permanência e não apenas de passagem”, conforme previsto no projeto de revitalização. A reforma, que custou R$ 105 milhões aos cofres públicos, começou durante a gestão de Bruno Covas (PSDB) na prefeitura e foi concluída pelo sucessor Ricardo Nunes (MDB).

Mas nem tudo o que estava prometido foi entregue. Todos os 12 quiosques, que deveriam abrigar lanchonetes, cafés e outros comércios de alimentos estão desocupados atualmente. Por meio de nota, a concessionária disse que os quiosques “estão em tratativas comerciais e, em breve, serão ocupados por marcas”, mas não apresentou nenhum prazo.

As fontes luminosas também não se tornaram realidade. A empresa afirma que elas são acionadas três vezes ao dia, “às 10h, 14h e 20h, conforme estabelecido no edital da concessão”, mas frequentadores disseram que o chafariz passa poucos minutos ligado.

Mesmo sendo um espaço público, a área do Novo Anhangabaú já foi reservada para eventos pagos em 17 fins de semana, a maioria a partir do segundo semestre do ano passado. O levantamento foi realizado a partir de documentos publicados no Diário Oficial da cidade, considerando as datas de montagem e desmontagem dos eventos.

A aposentada Irene Silva, 78, frequenta a região desde criança. “Eu sinto saudade, por isso venho pra cá. Mas está irreconhecível, sempre fechado desse jeito. Eu não me conformo”, disse.

Os skatistas, que estão entre os principais frequentadores desde a reforma, também são afetados pelas interdições. A dupla Bruno Maranhão, 38, e Caio Roberto, 21, teve que procurar outro lugar para praticar as manobras na sexta (21). “É um desrespeito, eu acho. Muita gente, como eu, vem de fora, porque é uma referência”, disse Caio, que veio do Espírito Santo para conhecer a pista.

“A impressão que fica é que o vale ainda está pra ser inaugurado”, disse o urbanista Fábio Mariz. Ele aponta a travessia da avenida São João como uma das mais antigas e mais importantes na história de São Paulo, pois conectou o triangulo histórico, onde a cidade foi fundada, à região do centro novo. “É uma passagem que faz parte do cotidiano da população e que dá vida ao parque. Fechar dessa forma acaba afastando afastando o público”, disse o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Segundo a concessionária, a avaliação dos visitantes tem sido boa. Desde que assumiu, cerca de 50 mil pessoas participaram das atividades oferecidas gratuitamente no local, como aulas de ioga, patinação e sessões de cinema. Público modesto em comparação com outros espaços e eventos públicos. Também no centro, o parque Augusta, por exemplo, atraiu mais de 1,6 milhão de frequentadores no primeiro ano de funcionamento.

Para Mariz, cabe à prefeitura fiscalizar para que o interesse privado não seja favorecido em detrimento da população. “As concessões, que são bandeira da atual gestão na prefeitura, deveriam ser um meio para entregar benefícios ao cidadão. Mas por enquanto não vejo ganho social”, disse o professor.

Questionada, a Prefeitura de São Paulo disse que “os eventos no vale do Anhangabaú fazem parte da revitalização da região central da cidade”, e que o cercamento da área é uma medida de segurança para trabalhadores e pedestres.

Já a concessionária Viva o Vale disse que nos dias de preparação dos palcos o espaço não é interditado completamente, e que a área só foi fechada por inteiro em nove datas, quando ocorreram eventos de grande porte. “Nos demais eventos não houve fechamento total do espaço e, nos dias de montagem e desmontagem, os acessos aos funcionários de prédios da região, bem como, demais públicos, era realizado por meio de acessos sinalizados e controle de entrada para segurança dos passantes.”

LEONARDO ZVARICK / Folhapress

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