Xiong’an, a Brasília de Xi Jinping, começa a tomar forma na China

TAIPÉ, TAIWAN (FOLHAPRESS) – A ideia não surgiu com Xi Jinping. Realocar parte da capital chinesa, equilibrando a região metropolitana apelidada de Jing-Jin-Ji (de Pequim, Tianjin e outras menores), vinha em discussão havia décadas, diz o pesquisador Andrew Stokols . Mas foram Xi e o Comitê Central do Partido Comunista Chinês que determinaram onde e como seria, em abril de 2017: nascia então Xiong’an, a Brasília chinesa.

Passados seis anos, três de pandemia de Covid, em maio o líder pegou um trem-bala em Pequim e, meia hora depois, desceu na estação da cidade, com outros dois do Comitê Permanente -o centro do poder no país, de apenas sete membros. Como nas visitas de JK às obras da capital brasileira, Xi descreveu o avanço de Xiong’an como um milagre e reafirmou a decisão do partido como “totalmente acertada”.

Foi para não deixar dúvida quanto ao compromisso com o projeto, mas também porque já tinha algo para mostrar, depois dos 510 bilhões de yuans (R$ 350 bilhões) investidos até agora, só na cidade.

Nos últimos anos, além da estação e do trem, necessários para convencer quem reluta em trocar Pequim pela nova cidade, foi aberto o aeroporto internacional Daxing, que fica a 20 minutos.

E está perto de ser completado o distrito residencial Rongdong, onde foram reassentados os moradores originais da região. Nos dias seguintes à visita, a mídia estatal apresentou em imagens e relatos os conjuntos residenciais e o cotidiano das famílias. No final do ano passado, um romance fez mais que isso, “Bai Yang Dian Shang” (acima do Lago Baiyangdian -o Lago Paranoá de Xiong’an).

O autor, Guan Renshan, escreve sobre um pescador que tem que se adaptar ao trabalho para uma estatal, na recuperação ecológica do lago e em reflorestamento. De início resistente, ele se convence e lidera outros pescadores, até seu pai, a abraçar sua transição para setores como turismo. Guan acabou levando o Prêmio Literatura do Povo.

Ainda que com maior planejamento e qualidade, o distrito de Rongdong, onde pescadores e outros estão sendo reassentados, é a primeira cidade satélite de Xiong’an. “Muitas vilas tiveram que ser demolidas para dar lugar à cidade e, em seguida, foram sendo alojadas nesta nova área residencial, que faz parte de Xiong’an, mas não é a área central”, diz o americano Stokols.

“Já existe alguma desigualdade, em termos da forma como aquela parte de Xiong’an foi construída de forma mais barata, para reassentar, sendo parecida com Brasília, onde os funcionários do governo moram na parte planejada, mas as favelas vão brotar ao redor.”

O plano piloto de Xiong’an, chamado de distrito Qibu, é o que remete mais diretamente à capital brasileira. Num eixo leste-oeste, é dividido em cinco grupos ou blocos, com um deles, o Qidong, estando hoje com as obras mais adiantadas. Vai concentrar comércio, finanças e as sedes de grandes empresas estatais, que voltaram a ser cobradas por Xi a se preparem para deixar Pequim.

No lado oriental de Qidong devem se concentrar os campi avançados de quatro universidades da capital chinesa, com centros de pesquisa. A expectativa é que boa parte desses dois blocos esteja pronta até 2025, quando deverá se ampliar a ocupação residencial de Qibu por trabalhadores de colarinho branco.

O podcaster chinês Carl Zha evita o paralelo com Brasília e busca falar de Xiong’an de forma mais concreta. “O que posso dizer é por que Xi ordenou a construção de Xiong’an: Pequim ficou muito lotada”, diz. “Especialmente na China, porque é uma economia socialista, o Estado comanda, e todas as empresas querem ter sua sede em Pequim, para interagir com as autoridades.”

Engenheiro pela californiana Caltech, hoje baseado na Indonésia e dedicado ao influente podcast Silk & Steel (seda e aço), marcadamente pró-China, ele diz que a capital não tem como manter a população que atingiu. Situada nas áreas secas do Norte chinês, “na borda do planalto da Mongólia, mesmo durante os tempos imperiais a população dependia da remessa de grãos do Sul” e de canais de água.

Já Xiong’an, cem quilômetros ao Sul, está numa região de lagos e pântanos, daí a escolha. “A ideia de Xi Jinping é: ‘vou só retirar alguns ministérios de Pequim e, assim, outros o seguirão’. Se construir, eles virão. Isso vai espalhar o fardo do centro populacional. Essa é a ideia principal.” Em seguida, vem “integrar os mais recentes projetos ambientais sustentáveis”.

Stokols, que foi diretor de pesquisa no Centro de Urbanismo Ecológico da Universidade de Pequim e agora prepara PhD em planejamento urbano para o MIT (Massachusetts Institute of Technology), confirma que Xiong’ian surgiu para descongestionar Pequim.

“Eles querem mantê-la como a capital simbólica, com todas as suas afinidades históricas, culturais, todos os prédios governamentais. E o que não é essencial vai para Xiong’an, as funções que não são de capital, como as empresas que não precisam estar lá.”

Mas o projeto da cidade acabou avançando para além daí, buscando uma utopia tecno-ambiental, como ele chama, e incorporando as ideias de Xi Jinping nessa direção.

Quando ele chegou ao poder em Pequim, uma década atrás, havia mais poluição na cidade, e a proteção ambiental se transformou numa questão política para o partido.

“Há muita ambição para Xiong’an”, diz Stokols. “Ela deverá gerar a maior parte de sua energia de novas fontes e ter uma grande porcentagem de trânsito automatizado por 5G. São muitas inovações que tornariam a cidade bastante sustentável.”

Isso se reflete em algumas das grandes estruturas já completadas, como os supercomputadores sob um espelho d’água, descritos como o cérebro da cidade, e a estação de energia sob um jardim chinês.

Quando o projeto foi definido, em 2017, o próprio regime lembrou as experiências bem-sucedidas com o planejamento e a implantação, em poucas décadas, do distrito de Pudong, em Xangai, e da cidade de Shenzhen, próxima de Hong Kong. Vistos como legados de Deng Xiaoping, eles coincidiram com a ascensão de algumas das maiores corporações privadas da China, sediadas em ambos.

Não é o caso, até o momento. Xiong’an está vinculada a estatais de imóveis e construção, para as obras, e as empresas com previsão de terem sedes prontas mais cedo são também estatais, como Sinochem e Huaneng. E os grandes centros de pesquisa em ciência e tecnologia estão sendo montados por estatais de telecomunicações e outras. O legado que Xi quer deixar é diferente daquele de Deng.

NELSON DE SÁ / Folhapress

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