A Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta terça-feira, o projeto de lei conhecido como PL da Dosimetria, que altera critérios de cálculo de penas para crimes contra o Estado Democrático de Direito. A proposta, votada em meio a uma sessão marcada por confusões, protestos e tentativas de obstrução, reduz diretamente a pena do ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por incitação e participação intelectual na tentativa de golpe de 2023.
Técnicos legislativos dizem que, caso seja mantido pelo Senado e não seja derrubado no STF, o PL pode reduzir em até um terço a pena aplicada a Bolsonaro, além de reativar a possibilidade de progressão acelerada para réus primários. Condenados pelos atos de 8 de janeiro também poderão solicitar readequação imediata.
A aprovação foi comemorada por deputados da oposição, que classificaram o resultado como uma “correção necessária” frente ao que chamam de “exageros punitivos” do Supremo. Já parlamentares de partidos de centro e esquerda afirmaram que o projeto representa uma manobra para livrar aliados políticos, denunciando um “atropelo regimental” e “pressão coordenada” sobre lideranças partidárias.
Entenda o PL da Dosimetria
O texto aprovado modifica três pontos centrais da Lei do Estado Democrático de Direito:
- 1. Critérios para agravantes e atenuantes
O projeto redefine o peso de agravantes relacionadas a crimes contra a ordem constitucional, reduzindo o intervalo da pena quando não houver “execução direta de violência”. A nova redação prevê limites menores para aumento de pena quando o envolvimento do réu for classificado como “intelectual”, “indireto” ou de “influência política”, categoria na qual a defesa de Bolsonaro se enquadra.
- 2. Progressão de regime mais rápida
A proposta reintroduz regras anteriores de progressão de pena, permitindo que condenados primários possam migrar de regime em prazos mais curtos. Isso abre possibilidade de redução prática de punições impostas a investigados e condenados pelos atos golpistas.
- 3. Revisão retroativa obrigatória
Um dos pontos mais polêmicos é a determinação de que as mudanças tenham aplicação retroativa, obrigando juízes e ministros a revisarem penas já aplicadas sempre que o cálculo antigo for mais severo. Na prática, esse dispositivo beneficia diretamente Bolsonaro e dezenas de réus do 8 de janeiro.
Sessão tensa, gritos e intervenção da segurança
A sessão que aprovou o PL foi marcada por um dos momentos mais tensos do ano no plenário da Câmara. Ainda no início da tarde, partidos contrários à proposta apresentaram pedidos de retirada de pauta e questionaram a tramitação acelerada determinada pela Mesa Diretora.
Durante o debate, houve:
- Troca de acusações entre deputados governistas e bolsonaristas sobre “perseguição política” e “anistia camuflada”;
- Interrupções constantes provocadas por gritos nas galerias, que chegaram a ser esvaziadas parcialmente pela Polícia Legislativa;
- Bate-boca entre líderes partidários, que obrigou o presidente da Câmara a suspender a sessão por cerca de 15 minutos;
- Tentativas de obstrução com requerimentos sucessivos, que foram derrotadas por maioria apertada.
O clima só se estabilizou quando a votação foi finalmente aberta. O texto passou com vantagem de poucos votos, em meio a protestos de deputados contrários que exibiam cartazes e gritavam “vergonha” no centro do plenário.
Próximos passos
O projeto segue agora para análise no Senado. Caso seja aprovado sem alterações, vai à sanção presidencial — etapa que deve aprofundar o embate político entre Executivo, Congresso e Supremo. Ministros do STF, segundo pessoas próximas ao tribunal, avaliam questionar judicialmente o dispositivo que obriga a revisão retroativa das penas.



