Casacor une sustentabilidade e extravagância com mata atlântica e casa da Barbie

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao chegar em frente à “Morada do Samba”, o impacto é imediato: o hall de entrada do ambiente criado por Marcelo Salum recebe os visitantes com um quadro representando uma roda de samba, pintado com exclusividade por Luiz Pasqualini e disposto sobre uma parede coral.

A enorme sala colorida é repleta de detalhes que fazem referência às culturas africana e brasileira: um oratório esculpido em madeira guarda a figura de São Jorge, postado sobre poltronas de linhas retas que lembram a geometria da arte de diversos países africanos. No teto, um lustre que mais parece um cacho de cacau ilumina a cena.

“Uma homenagem às nossas raízes africanas que contribuem e contribuíram tanto para formar nossa cultura”, diz Salum. Ao centro da sala, quase como outro oratório, está uma pintura de Emerson Rocha, inspirada em uma fotografia de Alberto Henschel tirada em 1839, na Bahia. Uma mulher negra com vestes típicas baianas usa a faixa da presidência da República.

Invocar o tempo e a memória, compreendendo a arquitetura como uma extensão de nós mesmos, é o tema da mostra de arquitetura e design Casacor desse ano. “Corpo & Morada” traz 74 ambientes assinados por arquitetos de todo o país para dentro do Conjunto Nacional, em São Paulo, tratando de grandes questões do nosso tempo: inclusão, diversidade e sustentabilidade -sem deixar de lado a estética.

Nesse ano, Sig Bergamin, conhecido pelo maximalismo e extravagância, apostou em um cômodo inusitado: o banheiro. O resultado é uma pequena floresta de mata atlântica montada dentro do Conjunto Nacional, com um lago artificial curvo -que acompanha a estrutura do prédio histórico. Banheiras estão espalhadas entre plantas, lembrando, segundo o arquiteto, os banhos orientais de países como a Tailândia.

“Eu quis ser paisagista e chamar a natureza, a calma da água”, diz. O foco da decoração é o artesanato brasileiro, com esculturas de tatus e passarinhos em madeira. “Todo mundo esconde os banheiros. Meu conceito é que ele fique aberto”, afirma. Mais a frente no percurso, o visitante encontra outro pedaço de mata atlântica, projetado por Alessandra Cardim.

O tema da sustentabilidade é abordado não só pensando o ambiente, mas também a sociedade. É o caso do espaço Motirõ, criado pela arquiteta Ester Carro, que estreia na Casacor e pensa a moradia popular digna sem deixar de lado a estética. O ambiente de 34 m² tem quarto, banheiro, lavanderia e cozinha integradas, contando ainda com um espaço para estudo. “Muitas vezes, as casas das favelas não têm um lugar para estudo e trabalho, eu quis mostrar que é possível”, diz.

A entrada é marcada por uma horta vertical, ao lado de uma cisterna para reaproveitar a água das chuvas -elementos sustentáveis que ela observa em sua comunidade, do Jardim Colombo. Os grafismos dos móveis foram desenhados pelo artista indígena Waxamani Mehinako. Ela conta que o Motirõ não foi pensado apenas para ser exposto, mas para dialogar com os moradores do Jardim Colombo sobre novas possibilidades de moradia.

Em um ambiente amplo, de 200 m², paredes, piso e mobiliário parecem orgulhosos de revelar os materiais de sua composição, marcados pela ação do tempo -ou, como explica o arquiteto Filipe Troncon, pelas experiências do morar. Ao adentrar, o visitante se depara com um banheiro industrial de paredes cinza-chumbo. Apesar das formas orgânicas, tudo traz um ar de sofisticação.

No próximo ambiente, um cômodo enorme na cor magenta mistura, mais uma vez, esculturas africanas e utensílios tradicionais esculpidos em madeira com eletrodomésticos de última geração. Nas paredes do projeto assinado por Bruno Carvalho e Camila Avelar, obras em barro dividem espaço com pinturas em molduras douradas e cataventos robotizados, enquanto um livro do arquiteto japonês Kuma, notório pelo uso de bambu como estrutura para construções convive com o do pintor barroco Rembrandt na mesma mesa de centro.

A relação entre ancestralidade e tecnologia, sofisticação e conforto, é explorada na maioria dos ambientes da edição. O espaço Ku’Ya, em tupi-guarani “abrigo”, da arquiteta Stephanie Ribeiro, Gabriel Ramires e José Carrari Filho, integra todos os ambientes de uma casa dentro de uma estrutura de pé-direito baixo e rodapés infinitos. Apesar dos espaços pequenos, todo mobiliário presente dá a sensação de suficiência. A decoração aposta na madeira e nas texturas, desde vasos enormes de cerâmica a tapeçarias em tons fechados de vermelho e rosa.

Outros ambientes preferiram remeter a ideia de conforto e autocuidado apostando no minimalismo. O espaço projetado por Ticiane Lima exibe uma enorme vista da avenida Paulista, com pé-direito de mais de quatro metros. Em frente à janela, a arquiteta fez um jardim “zen”, onde os visitantes são convidados a ficar descalços e usarem um rastelo; os eletrodomésticos da cozinha estão todos escondidos dentro de mobiliários planejados, remetendo a ideia de “casa embutida” -tendência em diversos ambientes da mostra. Parte do revestimento é em madeira escura de pau-ferro, em referência à sofisticação da década de 1950.

Ambientes maximalistas não ficaram de fora. Rodolpho Schier assina um espaço repleto de obras de arte, tapeçarias e móveis pesados, inspirado nos extravagantes palazzos italianos do século 18, enquanto Felipe Almeida apostou em um cômodo com objetos familiares que remetem a memórias, entre pinturas e móveis modernistas. Entre eles, está uma tapeçaria de Di Cavalcanti e uma coleção de insetos mortos.

Já Ricardo Abreu traz um ambiente todo em rosa, que poderia ser a casa da Barbie. Os espaços sinuosos contam com as tapeçarias assinadas pelo próprio arquiteto, que no ano passado foram indicadas ao Prêmio de Design. A socialite Brunete Fraccaroli também apostou nas cores quentes e na tecnologia, em um cômodo batizado de “O Reverso do Metaverso”.

ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress

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