Caso Nestlé-Garoto volta a ser julgado pelo Cade 21 anos depois da compra

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Está marcado para esta quarta-feira (7), a partir das 10h, o julgamento no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) do ato de concentração econômica envolvendo a compra da Garoto pela Nestlé. O julgamento ocorre 21 anos após o anúncio da aquisição, em fevereiro de 2002.

A aquisição da Garoto chegou a ser vetada pelo Cade em 2004, uma vez que as empresas teriam juntas quase 60% do mercado de chocolates no Brasil. Mas a multinacional suíça recorreu à Justiça e obteve em 2005 o direito de manter a operação. Em 2009, essa decisão foi anulada e o caso deveria ser reaberto pelo Cade.

A Nestlé continuou recorrendo judicialmente contra a reabertura até que, em 2018, o TRT (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região afirmou que o Cade deveria reabrir o processo, o que só foi feito em 2021. Agora, em junho de 2023, tem início um novo julgamento.

“O caso Nestlé-Garoto foi emblemático e mudou a legislação empresarial”, diz o advogado especialista em direito empresarial Marcelo Godke, sócio do Godke Advogados. Antes, o Cade tinha até dois anos para avaliar uma operação de compra ou fusão que superasse os R$ 400 milhões. Na época, a compra da Garoto foi anunciada por R$ 1 bilhão.

“Agora, se as empresas faturam R$ 750 milhões, isoladamente ou em conjunto, ou se detêm 20% do mercado relevante, o negócio não pode ser concretizado de maneira vinculante antes que o Cade dê o aval”, afirma Godke.

Quando o órgão reprovou a operação, em 2004, a Nestlé e a Garoto já operavam juntas.

Fundada em 1929, com uma única fábrica, em Vila Velha, região metropolitana de Vitória (ES), a Garoto é dona de marcas icônicas como o bombom Serenata de Amor, o tablete Talento e o chocolate Baton.

Nestes mais de 20 anos, a Nestlé diversificou o portfólio da Garoto, levando a marca para categorias como biscoitos, panetones e sorvetes. A Garoto, até então uma marca popular, por sua vez, ajudou a multinacional suíça a melhorar a sua distribuição no pequeno varejo, de bairro, onde sempre foi mais forte do que a multinacional e do que a rival Lacta, controlada pela americana Mondelez.

Segundo fontes do mercado de chocolates, os produtos da Garoto sempre foram sinônimo de uma boa relação custo-benefício, entre 10% e 15% abaixo dos da Nestlé. Mas isso deixou de existir desde a fusão. Os preços praticados pelas duas marcas foram se tornando semelhantes e quem perdeu foi o consumidor, que deixou de ter uma opção mais barata, afirmaram as fontes.

Procurada, a Nestlé não atendeu a reportagem até a publicação deste texto. O Cade afirmou que não comenta casos em andamento.

No mês passado, já às vésperas do novo julgamento do Cade, a Nestlé anunciou investimentos de R$ 430 milhões na Garoto para ampliar a produção.

Para Godke, é muito difícil que o negócio seja desfeito depois de tanto tempo, período em que as marcas passaram a ser produzidas uma na fábrica da outra. “Em tese, é possível, mas as operações já estão integradas, não é nada fácil”, afirma.

No passado, chegou-se a cogitar que a Nestlé vendesse algumas marcas para continuar com a Garoto. Mas agora, ambas já não dominam o mercado de chocolates, que tem visto a ascensão de marcas regionais e mais baratas.

A expectativa é que a Nestlé se comprometa a manter investimentos na Garoto e a não comprar ninguém que tenha 5% ou mais do mercado de chocolates.

De acordo com a consultoria Euromonitor, o consumo de chocolates no Brasil atingiu R$ 22 bilhões em 2022, alta de 18% sobre o ano anterior (valores nominais), com a venda de 336 mil toneladas (crescimento de 7%).

Em 2022, segundo levantamento feito pela consultoria NIQ (antiga Nielsen), enquanto a venda de alimentos como um todo caiu 2,5% em volume, a de chocolates avançou 4,7%.

O que vem puxando essa alta são as barrinhas de chocolate recheadas (“candy bar”) e os biscoitos wafer cobertos com chocolate, segmentos que registraram alta de 22% e 12% em volume, respectivamente.

A NIQ não revela as principais marcas de cada segmento, mas um exemplo de candy bar com preço competitivo é o da Trento, de 32 gramas, da gaúcha Peccin, enquanto o mais popular wafer coberto de chocolate é o Bis, da Lacta.

DANIELE MADUREIRA / Folhapress

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