Com menções a tramas antigas, ‘Vai na Fé’ cria multiverso próprio para novelas da Globo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Não são só os filmes do Oscar que criam multiversos onde diversas versões de um mesmo personagem podem estar vivendo suas próprias histórias em universos paralelos. A atual novela das 19h, “Vai na Fé” (Globo), aponta na mesma direção ao citar novelas de diferentes décadas em meio à trama da atriz decadente Wilma, vivida por Renata Sorrah.

No mundo criado por Rosane Svartman para a novela, não foi Susana Vieira quem interpretou a babá Nice na primeira versão de “Anjo Mau” (1976). Nem José Wilker (1944-2014) quem fez o papel de Rodrigo nesse folhetim. Os personagens foram vividos por Wilma e Fábio (Zé Carlos Machado), que depois se tornou marido dela. Mas as menções a outras tramas não param por aí.

Em três meses de exibição, os espectadores já se divertiram, por exemplo, com a atriz frustrada perdendo um papel para Christiane Torloni, que fez uma participação especial, ou reproduzindo a icônica fala “Me serve, vadia!” de “Avenida Brasil” (2012). “Adriana Esteves roubou o meu papel em ‘Avenida Brasil’, mas você vai ver como eu seria uma ótima Carminha”, explica Wilma antes de tomar seu dry martini cenográfico.

À reportagem, a autora conta que a ideia de inserir essas cenas partiram de sua vontade de honrar outras tramas. “Na verdade, eu acredito e celebro muito a telenovela”, diz Svartman, que fez doutorado no tema. “A Wilma circulou nas mídias anteriores à teledramaturgia, e esse meu mergulho na história da telenovela e da TV me deram a vontade de fazer essa homenagem.”

Esse carinho pelo gênero acaba funcionando como um afago para os fãs. Para Claudino Mayer, doutor e pesquisador em teledramaturgia e professor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) do curso de cinema e audiovisual, até a escolha por Renata Sorrah para o papel foi acertada nesse sentido.

“A Rosane tem depositado as referências na personagem da Renata, porque ela é top das tops, uma das mais importantes da nossa dramaturgia”, lembra. “E o mais importante, não é forçado, faz completamente parte da história dela, e todos conseguem reconhecer e aprovar.”

Apesar de Sorrah ter atuado em parte das novelas referenciadas, há uma preocupação da autora e de sua equipe em deixar tudo bem delimitado. “A Renata e a Wilma, apesar de terem muitas coisas em comum, não são a mesma pessoa”, reforça Svartman.

REFERÊNCIAS

Uma das citações mais recentes de “Vai na Fé” foi a “Vale Tudo” (1988-1989), trama de Gilberto Braga na qual a própria Renata Sorrah interpretou Heleninha, a filha alcoólatra de Odete Roitman (Beatriz Segall). “Eu queria ter vivido a Maria de Fátima ou a Odete”, brinca Wilma, em cena.

A dupla referência —tanto ao passado da atriz quando ao da personagem—, faz a novela assumir outro status, na opinião de Mayer. “O público gosta de repetição, tanto de personagens quanto de falas, porque gera familiaridade”, afirma o especialista. “A vida é uma eterna repetição que, se não tiver, a gente estranha.”

A autoria diz que tenta trazer apenas alusões que façam sentido com sua história, contando para isso com uma equipe de escritores e pesquisadores. “As novelas vão se encaixando, e muitas vezes peço ajuda da [pesquisadora] Paula [Teixeira] com coisas específicas, como: ‘Vamos buscar uma cena de traição'”, exemplifica Svartman.

“Não basta ser qualquer novela, tem que ser uma que converse com a cena em uma intertextualidade de novelas que tenham o mesmo significado”, confirma Teixeira. A lista de referenciados, até aqui, já conta com autores como Silvio de Abreu, Gilberto Braga e Gloria Perez.

Para Mayer, no entanto, outros nomes que fizeram parte da história das novelas poderiam ser lembrados no multiverso criado pela autora —ele apostaria em Janete Clair e Ivani Ribeiro. “O espectador vai cair no papo e ser ainda mais conquistado por ele”, avalia.

JÚLIO BOLL / Folhapress

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