Como Ana Castela furou a bolha do sertanejo com o funk e o agronegócio

SANTA TEREZINHA DO ITAIPU PR, (FOLHAPRESS) – O empresário de Ana Castela teve certeza de que ela levava jeito para os palcos quando se deparou com um vídeo em que ela canta montada num cavalo. Três anos se passaram até que ele visse uma imagem parecida viralizar na internet. A diferença é que, desta vez, Castela cantava em cima da estátua de um cavalo, com cinco metros de altura, de frente para 70 mil pessoas.

A multidão assistia à cantora gravar seu primeiro DVD numa madrugada gelada do início de maio em Santa Terezinha de Itaipu, cidade paranaense que fica na divisa entre o Brasil, a Argentina e o Paraguai. Castela cantou por quatro horas, convidou nomes como Gustavo Mioto e a dupla Matheus & Kauan, fez coreografias complicadas e trocou de look quatro vezes. Parecia uma diva pop, mas cantando sertanejo.

Foi apostando nesta mistura que ela deu o pontapé em sua carreira. Lançada há um ano, “Pipoco” une o jeitinho caipira de Castela com o funk de MC Melody e as batidas de DJ Chris no Beat. A música catapultou o agronejo, vertente do sertanejo com sonoridade eletrônica e exaltação da figura do fazendeiro.

Deu certo. A faixa passou mais de dois meses no topo da lista de músicas mais ouvidas no Spotify e levou o sertanejo a lugares onde o gênero não costuma tocar, caso das baladas voltadas ao público LGBTQIA+, que tocaram “Pipoco” à exaustão.

Mas Castela quase destruiu sua relação com este público. Às vésperas das eleições, um vídeo com referências a Jair Bolsonaro foi exibido na abertura de um show dela. O telão exibia imagens da bandeira do Brasil e uma contagem regressiva a partir do número 22, o do então presidente nas urnas. Quando a contagem chegou ao 13, o algarismo foi substituído por 12+1.

Com vídeos da apresentação viralizando na internet, ela culpou a produtora pela intervenção política. A organização do evento emitiu um comunicado assumindo a responsabilidade.

Em entrevista por videoconferência, Castela diz ter chorado muito quando soube da polêmica. “Não fui eu. Nunca me envolvi em política nem vou. Se virem alguma coisa [sobre política] relacionada ao meu nome, não fui eu quem fiz ou falei. Não quero saber de política. Não tenho idade para isso. Acabei de fazer 19 anos. Foi a primeira vez que votei. Estou aqui para mostrar minha música.”

Nascida em Sete Quedas, em Mato Grosso do Sul, Castela cresceu numa região dominada pelo agronegócio. Quando criança, ela se dividia entre a cidade e a fazenda dos avós, onde aprendeu a cavalgar e a fazer as tarefas do campo sobre as quais canta em seu repertório.

“O agro é o que move o Brasil. Meu pai mexe com soja. É o sustento do brasileiro”, diz ela, que tomou para si a alcunha de boiadeira. “A maioria das pessoas me considera um símbolo do agro. Minha família inteira é deste mundo. Está no meu sangue.”

Castela capitaneia uma nova safra de artistas e obras de arte rurais, como “Terra e Paixão”, nova novela das nove da Globo, da qual ela também participa, cantando a o tema de abertura com Chitãozinho & Xororó.

O folhetim, aliás, discute o papel do agricultor no Brasil contemporâneo, com longos diálogos em que os personagens tentam desmistificar o agronegócio, que desperta amores e ódios, principalmente por ter sido fortemente associado ao governo de Jair Bolsonaro nos últimos anos.

Castela diz ficar triste com as críticas ao agro. “Às vezes, as pessoas falam coisas que acham que estão certas na cabecinha delas, mas não estão. E eu não posso falar nada porque, depois que a gente cria um nome, se falamos alguma coisa, [somos vistas como] chatas e desumildes.”

Os artistas do agronejo costumam desviar dessas polêmicas ao desconstruir a imagem de caipira bruto e conservador para dar lugar a figuras mais descolada. Em “Neon”, uma de suas músicas, Castela canta que “não é porque eu sou da roça/ que eu não rodo no asfalto”.

É como se Castela fosse uma princesinha do mato, uma imagem que construiu propositalmente, diz Rodolfo Alessi, compositor e empresário que a descobriu. “Fiquei olhando aquele vídeo e falei ‘cara, a menina é da roça, mas tem a voz delicada para caramba’. Era diferente do que tem no mercado. Havia uma lacuna, alguém que trabalhasse com o meio agro e também cantasse outros estilos de música”, diz.

“Eu compus a música ‘Boiadeira’, a Ana topou, e começamos a desenhar um projeto. A gente pensou numa boiadeira misturada com Anitta e Marília Mendonça. Havia uma limitação no jeito que a gente fazia [música] agro, porque não furava a bolha. Ana conseguiu ultrapassar esta barreira regional.”

A estratégia funcionou. Há algumas semanas, Castela ostenta o título de cantora mais ouvida do Brasil. Ainda que sertanejo seja a música mais popular do país, o crescimento meteórico da cantora é um ponto fora da curva, na avaliação do pesquisador André Piunti, autor do livro “Bem Sertanejo”, que reconstrói a história do gênero no Brasil.

“Castela pulou as etapas que se tem como padrão: gravar um projeto, investir no rádio e na internet. Ela disparou sem o investimento de costume. É muito difícil competir”, diz ele, para quem a cantora representa um avanço na música sertaneja por ser benquista pela comunidade LGBTQIA+, por crianças e adolescentes, menos ligados ao sertanejo.

“Os empresários vão olhar para artistas da mesma idade dela e pensar ‘pô, se funciona para o outro, pode funcionar para mim’. Pode ser que ela vire mesmo a página da geração, e a gente comece a ver gente de 20 anos assumindo os principais shows das festas de sertanejo.”

A gravação do DVD no Paraná estava repleta de crianças, ainda que o show tenha terminado só depois das 3h da manhã. Castela policiava o próprio linguajar e, quando deixava escapulir um palavrão, pedia que os mais novos não o repetissem.

A cantora admite que algumas de suas músicas não são apropriadas para menores de idade. A faixa “Agronejo”, que ela divide com o DJ Chris no Beat, é regada a sexo e drogas. “A vibe bateu/ pode ficar quietinho/ que hoje quem galopa sou eu/ vai brutona, monta, monta, monta”, diz a letra.

Isso, no entanto, talvez não seja um problema para o futuro, já que Castela tem se distanciado do funk. Em agosto passado, ela afirmou à Folha que não queria ser vista como uma cantora de sertanejo. Hoje, com seis músicas do gênero entre as 50 mais ouvidas do Spotify, diz que mudou de opinião.

“Minha cabeça mudou muito do ano passado para cá. Agora, quero migrar mais para o sertanejo mesmo. Quero tirar um pouco do estilo de ‘Pipoco’ e fazer mais sofrência e reggaeton”, diz, acrescentando que a mudança não é para se manter no topo das paradas.

Alessi, o empresário, tem outra visão. “O rádio e a televisão são muito importantes para a carreira do artista se consolidar, e este tipo de meio de comunicação vai sempre prezar pelo sertanejo mais tradicional. Com certeza existe [uma intenção mercadológica].”

Ainda não deu tempo, diz a cantora, de refletir sobre todas as estratégias e o que seu sucesso significa para o sertanejo. “Não consigo enxergar. As pessoas podem me falar, mas não vou conseguir ver o quão grande eu estou.”

O jornalista viajou a convite da produção da cantora

GUILHERME LUIS / Folhapress

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