Congressistas de esquerda e centro-direita se unem em ‘gabinete compartilhado’

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um grupo formado por seis deputados federais e um senador de diferentes partidos e estados brasileiros divide uma equipe técnica conjunta de 12 assessores no Congresso Nacional com o intuito de qualificar o debate político e otimizar recursos.

Intitulado gabinete compartilhado, a iniciativa reúne parlamentares de partidos que são da base do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de legendas que se consideram independentes.

Ele foi idealizado em 2018 pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), pela deputada Tabata Amaral (PSB-SP) e pelo ex-deputado Felipe Rigoni, que concorreu pela União Brasil-ES e não foi reeleito.

Para esta legislatura, o grupo cresceu e passou a ser integrado também por Pedro Campos (PSB-PE), Duarte Jr. (PSB-MA), Amom Mandel (Cidadania-AM), Duda Salabert (PDT-MG) e Camila Jara (PT-MS) —todos estreantes no Congresso.

“O perfil que nos chamou atenção foi novamente de parlamentares de primeiro mandato com ideias diferentes, mas com perfil político muito forte, do ponto de vista de protagonismo e de qualidade de atuação”, diz Vieira.

O senador avalia ainda que o gabinete permite antecipar debates que irão ser realizados no Congresso e indicar possíveis consensos em torno de matérias.

“Tem o ponto da aceleração das pautas, porque a gente passa a ouvir pessoas com visões completamente diversas. Você antecipa também a correção de arestas de dificuldade de entendimento. Isso nos estabelece muita clareza do que é possível fazer em termos de negociação e nos traz muito rapidamente, por exemplo, o retrato do que se entende dentro de cada um desses partidos.”

“São parlamentares com vontade de fazer uma política diferente, não uma política comum como a gente está vendo de baixaria, de mentiras, de frustração de expectativas”, diz Duarte Jr.

O gabinete tem três principais áreas de atuação: fiscalização, políticas públicas e legislativo. Entre as pautas principais são lembradas educação, meio ambiente, direitos humanos e segurança pública.

A iniciativa é sustentada financeiramente a partir de repasses da verba de gabinete de cada parlamentar: deputados repassam 12,67% de sua cota, enquanto o senador, 12,71%. Com isso, a iniciativa diz economizar cerca de 20% dos recursos de cada gabinete, uma vez que possui menos gastos com contratação de pessoal.

A equipe é estabelecida por meio de processo seletivo nacional —mais de 14 mil pessoas se inscreveram para tentar uma vaga nesta legislatura. Integram o grupo advogados e especialistas em políticas públicas, além de um economista e um analista de dados.

O gabinete realiza duas reuniões semanais com os parlamentares, ainda que nem sempre com a participação de todos eles, numa sala do gabinete de Vieira no Senado, local que abriga a estrutura do grupo.

Nas tardes de terças, os parlamentares e assessores discutem a pauta do Congresso Nacional.

Às quartas, num café da manhã com quitutes veganos, como bolos, bolachas e salgadinhos —Duda Salabert é vegana—, eles tratam de questões de funcionamento interno, além de debater a atuação política do grupo e eventuais pautas conjuntas. A reportagem acompanhou alguns encontros ocorridos neste mês.

No dia 18, a discussão foi conduzida por um assessor legislativo e girou em torno da sessão do Congresso que estava prevista para ocorrer naquele dia. Somente uma deputada não participou.

No começo, ele explicou o funcionamento de uma sessão do Congresso, já que a maioria dos deputados nunca tinha participado de uma antes, e tirou dúvidas. Depois, destrinchou cada um dos vetos presidenciais que estavam previstos para serem apreciados —a sessão, no entanto, acabou sendo adiada.

Ao final de cada explicação, o assessor indicava qual era a sinalização do governo sobre o tema, caso houvesse, e apresentava uma orientação elaborada por técnicos do gabinete, que pode ou não ser acatada por cada parlamentar.

Na reunião, houve divergência entre eles em alguns vetos, como por exemplo um que tratava do despacho gratuito de bagagens.

Alessandro Vieira diz que não há imposição de adesão a pautas no grupo. “O gabinete entra com a produção técnica. A decisão política é do parlamentar. A gente não tem compromisso de unanimidade de votos, não é um partido político, não tem fechamento em questão.”

No dia seguinte (19), com apenas 4 dos 7 parlamentares presentes e conduzida pela chefe de gabinete, foram discutidas questões internas de funcionamento, como a necessidade de conseguir um crachá para um assessor legislativo da equipe ter acesso aos plenários das Casas, e pautas de interesse do grupo, como o PL das Fake News.

Duda sinalizou que a bancada do PDT se reuniria naquela tarde com o relator do PL, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), para tratar do tema —e ouviu apelo para que um assessor do gabinete compartilhado pudesse acompanhar o encontro e, assim, ficar mais a par da discussão do texto. Iniciativas de interlocução da equipe técnica com assessores de cada parlamentar são incentivadas.

Em um momento da reunião, a chefe de gabinete pediu para a reportagem deixar a sala, sob a justificativa de que iriam tratar de temas sensíveis. Nesse caso, os parlamentares discutiram o que chamaram de PEC do Fies, proposta que deverá ser protocolada por membros do gabinete compartilhado na Câmara e no Senado.

Apesar de a maioria dos parlamentares ter ligações com movimentos e organizações de renovação política, isso não é um pré-requisito para participar do gabinete. Duda Salabert, inclusive, faz críticas a eles.

“Reconheço que a gente tem que fortalecer os partidos no Brasil. Vivemos num contexto de erosão da intelectualidade, de esvaziamento de conteúdo político nos partidos. E esses movimentos, como Renova entre outros, reconheço que acabam se aproveitando desse cenário a aprofundando mais ainda o problema político no país.”

Uma novidade neste ano é a participação de uma deputada do mesmo partido do presidente da República. Para Camila Jara, isso pode acabar facilitando a relação com o Executivo.

“Trago informações de como a gente está pensando, como a gente quer atuar na Casa. E quando não conseguimos somar em algumas questões que vão contra o interesse do partido e do governo, a opinião é respeitada.”

Alessandro Vieira diz ainda que não há um esquema de rodízio estabelecido para definir quem será o eventual porta-voz do gabinete em determinadas pautas.

Ele explica que isso acaba se dando pela afinidade dos parlamentares com cada matéria —e nega que possa dar margem para disputa de egos entre eles.

“As pautas se ajustam por perfil, a gente tenta não disputar o holofote, não é necessário. A briga deles é mais no plenário do que no compartilhado. Esse movimento constante dá espaço para todos exercerem seu protagonismo. Não somos do mesmo estado, então, na base, você não tem divergência. Nesse formato, que é de atuação mais nacional, não tivemos nenhum conflito nesses primeiros quatro meses.”

VICTORIA AZEVEDO / Folhapress

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