Conheça Fabien Toulmé, francês abrasileirado que retrata o mundo em HQs

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil é importante na vida do quadrinista Fabien Toulmé, de 43 anos, mas seu jeito não engana: ele é francês. A fala do artista, conhecido principalmente por seus gibis de não ficção, é comedida e marcada pelo sotaque paraibano.

Parte da HQ “Reflexos do Mundo: Na Luta”, publicada pela editora Nemo, se passa no estado brasileiro. O livro narra viagens do quadrinista a três países onde acontecem lutas sociais com lideranças femininas.

Através de Nidal, Rossana e Chanceline, Toulmé conhece disputas no Líbano, no Brasil e em Benin e investiga a prevalência de mulheres à frente desses embates. Sem trazer respostas definitivas, seu novo gibi reflete sobre esse destaque feminino.

Rossana, a personagem brasileira da HQ, protagoniza a luta da comunidade de Associação de Mulheres do Porto do Capim. Situada em João Pessoa, à margem direita do rio Sanhauá, afluente do Paraíba, a comunidade Porto do Capim surgiu a partir de um projeto de 1920 para a construção de um novo porto na cidade, que acabou abandonado.

A partir de 1940, os terrenos e as casas largados após a descontinuidade das obras passaram a ser ocupados por famílias de pescadores, pessoas que trabalharam na construção e imigrantes de zonas rurais, formando uma comunidade.

Em 1980, em meio a um projeto de revitalização de João Pessoa, a prefeitura da cidade propôs a criação do “parque ecológico do Sanhauá”, um polo de lazer na região do Porto do Capim.

Para a criação do parque, a cidade planeja desocupar a área, despejando os moradores do porto capim e lhes oferecendo apartamentos em outro bairro da cidade. A expulsão compulsória e a falta de diálogo com as pessoas incomodaram a comunidade Porto do Capim, que se mobiliza para substituir o projeto por outro que possa coexistir com a ocupação dos moradores.

Este é sétimo quadrinho dele a chegar ao país, um autor que se tornou recorrente nas prateleiras do Brasil desde 2017, com o sucesso de sua primeira romance gráfico, “Não Era Você que Eu Esperava”.

O gibi autobiográfico, publicado na França em 2014, destaca a relação dele com sua filha, que tem síndrome de Down. Conta a história do seu amadurecimento como pai, passando da rejeição ao amor a uma criança com trissomia do cromossomo 21.

Protagonista de sua própria HQ, Fabien chamou a atenção e virou uma pequena celebridade em programas de televisão e rádio -hoje, seus trabalhos somam 400 mil exemplares vendidos em 11 países.

A história já adiantava o estilo simples mas inconfundível do autor. A arte é limpa, com contornos claros e personagens caricaturais. Nas cores, aposta em tons monocromáticos e com paletas que variam a cada capítulo dos livros.

É um estilo influenciado por suas paixões da infância, como o aventuresco Tintim e o faroeste de “Lucky Luke”.

“Para mim, era uma leitura potente, eu conseguia entrar de maneira forte na leitura. Eu não tinha a impressão só de estar lendo, mas de viver aquelas aventuras”, diz ele, relembrando o que lia na sua infância pacata no subúrbio de Orleães, cidade 120 quilômetros ao sul de Paris.

A arte simples e direta dos seus gibis, sem grandes inovações técnicas, permite que extrapolem o nicho dos leitores de HQs e acolham quem não está acostumado com o gênero.

Ainda que sem deixar de lado a delicadeza, seus trabalhos denunciam o lado mais racional e prático de quem foi por 12 anos engenheiro -profissão que lhe pareceu, na juventude, a opção mais tolerável, e acabou soterrando aos poucos a vocação infantil para as narrativas.

Foi no fim da faculdade que veio parar no Brasil pela primeira vez. Enquanto amigos partiam para Inglaterra, Estados Unidos e outros países mais disputados, suas notas medianas renderam um intercâmbio para a Paraíba, que o atraiu com as praias ensolaradas de João Pessoa.

Aqui, país a que retornou muitas vezes, conheceu sua esposa, Patrícia, e decidiu mudar de vida. Tocava a filial de uma empresa francesa em Fortaleza, mas nem o posto de empresário conseguiu conciliá-lo com a engenharia. Se envolveu com quadrinhos já no Brasil, mas voltou para a França, grande mercado de gibis, quando resolveu investir de vez na nova carreira.

Após o sucesso do primeiro quadrinho na França, publicou “Duas Vidas”, HQ de ficção, em 2017. O gibi fala sobre Baudouin que, influenciado pelos conselhos de Luc, seu irmão, e pela descoberta de um tumor, decide largar o emprego de jurista e repensar sua vida.

A história reflete a jornada de Fabien . “Eu passei 12 anos fazendo uma coisa de que eu não gostava. A partir do momento em que me tornei quadrinista decidi fazer tudo o que queria”, afirma. “Quero sentir o prazer de estar criando, não quero que todo dia seja igual ao outro.”

Depois de autoficção e ficção, foi parar no jornalismo. A ideia que daria origem à trilogia “A Odisseia de Hakim” surgiu quando Fabien acompanhava o drama dos refugiados -só em 2022 foram 137 mil pedidos de asilo na França, segundo o Ministério do Interior francês. Para superar essa distância, ouviu e recontou a história do refugiado sírio Hakim.

“Suzette ou o Grande Amor”, seu segundo livro de ficção, chegou ao Brasil em 2022, apenas um ano após a publicação na França, sobre uma avó e neta viajam juntas busca do passado romântico da idosa. Já “Reflexos do Mundo: Na Luta”, seu álbum do ano, retoma o jornalismo. A obra é a primeira de uma série que deve compilar, em cada edição, reportagens ao redor do mundo em torno de um mesmo tema.

Após retratar casos de resistência política, o autor escreve agora sobre o mundo do trabalho. A primeira reportagem foi nos Estados Unidos e a segunda, na Coreia do Sul, -falta definir o país da terceira reportagem.

Além dos romances gráficos, acumula projetos como “Marilou”, série de quadrinhos infantis que faz junto ao também quadrinista Olivier Dutto, e o roteiro e a direção de um filme sobre crianças com deficiência.

DIOGO BACHEGA / Folhapress

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