Apreensões de cigarro eletrônico aumentam, mas venda ilegal segue a todo ‘vapor’

A Sociedade de Pneumologia e Tisiologia estima que 2 milhões de pessoas utilizem os vapes no Brasil | Foto: divulgação

Por Sarah Chamié, Novabrasil Recife

Dentro de um bar conhecido na zona norte do Recife, uma mulher com um tabuleiro pendurado no pescoço, normalmente utilizado para venda de chicletes e jujubas, tenta vender aos clientes os chamados vapes. A escolha é definida principalmente pelos sabores e quantidade de “puffs” como são chamadas o número de tragadas que o dispositivo oferece, que variam entre 1000 e 8500. 

Com menos de 200 reais é possível levar um, sem dificuldade ou constrangimento. A cena na região nobre da capital pernambucana se repete em diferentes cidades do país. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, cerca de dois milhões de pessoas, especialmente jovens, entre 15 e 24 anos, utilizam hoje os cigarros eletrônicos. 

Em meio ao debate na Anvisa sobre os cigarros eletrônicos, está crescendo a apreensão do produto no Brasil. Em 2023, até outubro, quase 1,2 milhão de unidades foi confiscado. O volume é superior ao registrado em todo o ano passado, que foi de pouco mais de 1 milhão. Em 2020, foram apenas 30 mil vapes confiscados. Os dados são da  Receita Federal.

Um usuário que preferiu manter seu anonimato afirma que, para quem já é fumante, o cigarro eletrônico é muito prático por não ter restrição de ambiente, por não emitir odor acentuado como os cigarros. O vape surgiu com a ideia de “salvar” as pessoas do tabagismo, mas acabou virando mania entre jovens e adultos, criando um outro problema de saúde relacionado ao consumo de nicotina, agora num modelo “mais descolado”.

Esse dispositivo é formado por uma bateria e um reservatório onde fica a substância a ser vaporizada. Ao inalar, ocorre o aquecimento da bateria e o líquido contido nele é transformado em aerosol, que passa pelos pulmões. Nesse momento o fumante está exposto a centenas de produtos químicos que podem provocar problemas cardíacos e pulmonares, segundo especialistas.

Até outubro deste ano, quase 1,2 milhão de cigarros eletrônicos foram apreendidos | Foto: Divulgação/Receita Federal

De acordo com o especialista em segurança contra golpes e crimes pela internet, Giovani Santoro, não existe a venda de cigarros vape para o Brasil porque ela é proibida. A proibição foi determinada pela resolução da diretoria colegiada (RDC) número 46/2009 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Em julho de 2022, a Anvisa manteve a proibição da importação e da venda dos vapes, no Brasil.

Em teoria, ninguém “vende” ao Brasil, mas ainda localizamos o dispositivo em cada esquina.  Giovani explica que, via de regra, “os cigarros eletrônicos são produzidos na China, vão primeiro para o Paraguai e depois adentram o Brasil principalmente pelos estados do Mato Grosso do Sul e Paraná e depois são distribuídos para o resto do país”. Além disso, o especialista completa que “o contrabando atravessa a fronteira com o país vizinho na modalidade “formiguinha”, em menores quantidades e pelas rodovias em caminhões com cargas maiores, que se valem de notas frias.”

Ou seja, apesar de proibidos, os vapes são transportados, em muitos casos, pelos correios. Procuramos a empresa pública e eles informaram que realizam operações rotineiras com os órgãos de segurança e fiscalização para prevenir o tráfego de itens proibidos. Já a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (SENAD) do Ministério da Justiça e Segurança Pública informou em nota que não trata diretamente sobre apreensão de drogas, sugerindo contato com a polícia federal, que apesar de inúmeras tentativas, não nos deu resposta até o fechamento da reportagem.


O difícil combate

O especialista em segurança, Giovani Santoro, que já trabalhou na PF, disse que foram realizadas operações nos dois últimos anos contra o contrabando dos dispositivos eletrônicos em São Paulo e no Distrito Federal. Foram alvos de investigação os depósitos e estabelecimentos comerciais. Fora essas operações, Giovani explica que existe um trabalho de fiscalização intensa nas fronteiras, aeroportos, rodovias e portos para evitar que os cigarros eletrônicos entrem no país.

“Além das infrações administrativas capazes de gerar pesadíssimas multas, quem importa ou exporta cigarros eletrônicos e vapes no brasil, comete crime de contrabando, descrito pelo art. 334 do código penal com penas que variam de 1 a 4 anos de reclusão. Outras substâncias nocivas à saúde pública art. 278 – fabricar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo coisa ou substância nociva à saúde, ainda que não destinada à alimentação ou a fim medicinal. pena – detenção, de um a três anos, e multa”. Falou Giovani sobre as punições da venda e depósito dos cigarros eletrônicos. 

Para a advogada criminal e professora de processo penal, Anna Beatriz Silva, apenas a punição não garante a queda no número de usuários, já que esse é um problema de saúde pública. Anna afirma que os dispositivos penais em si não conseguem dar conta de resolver problemas que são também da questão de saúde pública e que é preciso tratar essa questão do uso de substâncias e da compulsividade em outro aspecto que não criminalizando.

Os estudos ainda não são conclusivos sobre o mal que o cigarro eletrônico causa à saúde, mas já indicam que, sim, ele pode ser tão ou até mais prejudicial do que os cigarros convencionais. segundo a OMS, mais de 400 pessoas morrem, por dia, no Brasil, por causa do uso de tabaco. Com campanhas atraentes e direcionadas ao público mais jovem, o dispositivo atraiu um nicho ainda maior e mais novo, aumentando o consumo da nicotina, agora num modelo mais fácil e “instagramável”.

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