Decisão de Moraes sobre Telegram é genérica sem apontar artigo de lei violada

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na decisão em que determinou ao Telegram que apagasse a mensagem contra o PL das Fake News, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes não aponta quais artigos da lei a empresa teria violado, apesar de falar em condutas ilícitas.

Além disso, na avaliação de advogados e professores consultados pela reportagem, a conexão do caso com o objeto do inquérito das fake news deveria estar melhor fundamentada, sob risco de praticamente qualquer tema relacionado a desinformação poder ser incluído na investigação que corre na corte desde 2019.

“A conduta do Telegram configura, em tese, não só abuso de poder econômico às vésperas da votação do Projeto de Lei, por tentar impactar de maneira ilegal e imoral a opinião pública e o voto dos parlamentares –mas também flagrante induzimento e instigação à manutenção de diversas condutas criminosas praticadas pelas milícias digitais investigadas no INQ 4.874, com agravamento dos riscos à segurança dos parlamentares, dos membros do Supremo Tribunal Federal e do próprio Estado Democrático de Direito, cuja proteção é a causa da instauração do INQ. 4.781”, diz trecho da decisão.

O ministro chega a citar um artigo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao falar sobre liberdade de expressão.

De acordo com Moraes, a mensagem enviada pelo Telegram “tipifica flagrante e ilícita desinformação atentatória ao Congresso Nacional, ao Poder Judiciário, ao Estado de Direito e a Democracia Brasileira, pois, fraudulentamente, distorceu a discussão e os debates sobre a regulação dos provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada, na tentativa de induzir e instigar todos os seus usuários à coagir os parlamentares”.

Outros pontos são vistos como problemáticos pelos especialistas consultados. Um deles seria a falta de proporcionalidade em determinar a suspensão do aplicativo, em caso de descumprimento, em vez de aplicar apenas multa.

A advogada Flávia Lefèvre, especialista em direito digital e do consumidor, considera que a decisão de determinar o bloqueio em caso de descumprimento foi desproporcional e deixou em aberto um princípio das decisões judiciais, que é o da motivação fundamentada. Ela destaca que, especialmente por ser um inquérito penal, o cumprimento desse princípio é importante.

Na avaliação dela, houve abuso da liberdade de expressão pelo Telegram e pode se falar em prática de abuso de poder econômico ou de posição bastante significativa no mercado. No entanto, a advogada destaca que a menção genérica a ter havido “utilização de mecanismos imorais e ilegais que podem, em tese, constituir abuso de poder econômico” não sustenta a gravidade das penalidades impostas pelo ministro em caso de descumprimento –e que poderiam alcançar inclusive os usuários do aplicativo.

“Ele fala que a atitude do Telegram ao deflagar essa mensagem é imoral e ilegal, mas ele não menciona nenhum dispositivo de lei para indicar qual seria essa ilegalidade”, diz.

Ela também questiona se o inquérito das fake news seria o caminho adequado para lidar com o fato e destaca medidas tomadas por outros órgãos, como o Ministério Público Federal e a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) do Ministério da Justiça.

O ministro determinou que inclusive pessoas físicas e jurídicas que viessem a usar o aplicativo por meio de VPN, em caso de bloqueio, estariam sujeitas a responsabilização, como multas. Algo que o ministro já tinha feito na decisão de bloqueio do ano passado.

Paulo Rená da Silva Santarém, que é doutorando em direito, Estado e Constituição na Universidade de Brasília e codiretor da ONG Aqualtune Lab —integrante da Coalizão Direitos na Rede— considera que houve abuso econômico e abuso comunicacional na conduta do Telegram, mas critica que o ministro não tenha indicado as bases legais da decisão.

“Essa decisão não respeita o princípio da legalidade estrita”, diz. “Se a gente está falando até em responsabilidade penal, ele precisa dizer qual artigo está sendo violado.”

Rená também critica que tenha sido citada a palavra imoralidade. “É curioso que ele chama de imoral. Imoralidade é um princípio da administração pública, administração pública tem uma vedação em relação a imoralidade”, diz. ” [É] indicativo do autoritarismo da fundamentação da decisão, por mais que o resultado seja adequado, o fundamento não foi adequado.”

Na decisão, Moraes escreve que: “Em uma Democracia, é possível que todo grupo social ou econômico que se sinta prejudicado em seus objetivos corporativos passe a procurar mecanismos —legais e moralmente aceitáveis— para influenciar diretamente as instituições do Estado, ou indiretamente a opinião pública”.

“Caso os mecanismos não sejam legais e moralmente aceitáveis haverá grave desvirtuamento e caracterização de abuso de poder econômico, com possibilidade de responsabilização civil, administrativa e penal”, afirma o ministro.

Carlos Affonso Souza, advogado e diretor do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade), considera que o ministro precisaria ter desenvolvido melhor na decisão a conexão da conduta da empresa com o objeto do inquérito das fake news.

O ministro Moraes sublinhou em negrito trecho do objeto que diz que faz parte da investigação: “A verificação da existência de esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do poder Judiciário e o Estado de Direito”.

Para Souza, a parte do objeto do inquérito que fala em “divulgação em massa” nas redes sociais seria mais próxima ao caso do Telegram. Já a parte de “esquema de financiamento” seria a ligação para o caso do Google, empresa que também foi alvo de decisão semelhante na semana passada.

Na questão do mérito, Souza considera que é discutível dizer que o texto do Telegram seria uma desinformação. Para ele, há exagero por parte da empresa ao falar em censura e também ao falar que o projeto seria um ataque a democracia, mas ele avalia que é justificada a crítica que o aplicativo faz de que haveria um aumento de vigilantismo por força do projeto de lei e que há pontos que precisariam ser melhorados.

“O Telegram exagera, ele talvez até se equivoque na análise, mas dizer que esta nota em si é uma peça de desinformação, eu acho que esse é um ponto que é discutível”, afirma.

Na parte da argumentação, Souza também aponta como problemático que a decisão não faça uma distinção do porquê a conduta da empresa se difere de outras campanhas da sociedade civil para pressionar o Congresso, sob o risco de criminalização desse tipo de ação sem restrições democráticas.

Em paralelo, a PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu autorização do STF para abrir um inquérito sobre dirigentes do Google e do Telegram no Brasil para investigar suspeitas de crimes contra as instituições democráticas, crimes contra a ordem consumerista e crimes contra a economia e as relações de consumo, com indicação de leis e artigos que poderiam estar configurados.

A solicitação à PGR foi feita pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o órgão viu a necessidade de esclarecer a conduta dos dirigentes das companhias.

RENATA GALF / Folhapress

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