Congresso quer reforma tributária, e CPI vai gerar meme, diz Tebet

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A onda de CPIs que vem se formando no Congresso não deve atrapalhar a tramitação da reforma tributária e do arcabouço fiscal, segundo as estimativas da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet.

Personagem de destaque na CPI da Covid em 2021, Tebet prevê que o inquérito dos atos golpistas de 8 de janeiro terá uma vitrine inicial com ataques e grosserias, mas a exposição acabará reduzida a memes de internet.

As outras CPIs, que abordarão Americanas, MST e futebol, também não têm potencial de paralisar o Congresso, porque a própria oposição quer avançar com a pauta tributária, diz Tebet.

“Esse Congresso é reformista. Ele está encampando a reforma tributária, assim como foi com a autonomia do Banco Central e a da Previdência. Por isso a coisa vai andar”, afirma.

A ministra também demonstra otimismo com o debate da exclusão dos benefícios fiscais de ICMS da base de cálculo de tributos federais IRPJ e CSLL, a ser julgado no STF (Supremo Tribunal Federal). A decisão, segundo ela, vai ser decisiva para trazer as receitas de que o governo necessita e evitar a apresentação de um terceiro pacote de medidas.

Tebet rebate a afirmação dita no Senado na semana passada pelo ex-presidente do BC (Banco Central) Arminio Fraga de que a aritmética do arcabouço não fecha. “Tem gordura. Tem de onde tirar”, afirma a ministra.

Preocupada com a Selic em 13,75% ao ano, ela reitera a cobrança para que o BC aborde os esforços do governo na redação dos comunicados e atas.

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PERGUNTA – Como avalia a crítica feita por Arminio Fraga na semana passada de que a conta do arcabouço não fecha?

SIMONE TEBET – Não há antagonismo entre compromisso social e responsabilidade fiscal. O arcabouço conseguiu achar esse equilíbrio. Com isso, eu tenho recurso para programas sociais, mas consigo atingir compromissos na área fiscal. De um lado, ter meta e dizer que o Brasil não gasta mais do que arrecada, ou seja, vamos ter controle dos gastos, meta de resultado primário e vamos zerar essa conta no ano que vem. De outro, como vamos gastar sempre menos do que o aumento real da receita, vai impactar, a médio prazo, a dívida do Brasil em relação ao PIB.

Com isso, faz o dever de casa no aspecto fiscal para, já com a aprovação do arcabouço, deixar claro para o Banco Central que não há mais justificativa para juros de 13,75%. São ‘n’ fatores internos e externos que impactam a inflação. Dos internos, muitos não existem mais. De todos os medos que se tinha de um governo expansionista no gasto, o arcabouço fiscal coloca um limite para isso dentro de um governo que foi eleito legitimamente com um projeto social claro.

O sinal que a equipe econômica está dando para investidores e BC é: vamos cumprir os compromissos de campanha do presidente Lula, mas dentro do que a responsabilidade fiscal permite.

Muitos estão olhando o arcabouço sob a ótica do resultado primário. [Eles dizem:] Vocês não vão conseguir zerar o déficit se não incrementarem a receita. Primeiro, nós não vamos incrementar receita criando imposto nem aumentado alíquota. Vamos fazer isso combatendo sonegação, fiscalizando e buscando receitas que estavam perdidas.

O arcabouço é uma peça da engrenagem. A bala de prata é a reforma tributária, que nunca esteve tão madura para ser aprovada. Acredito que seja aprovada no primeiro semestre pela Câmara. E tem outras medidas de crédito.

No aspecto econômico, o governo está muito firme nos seus propósitos. Agora precisamos entender o momento que o Brasil vive. É um país mais polarizado, nós não temos maioria no Congresso e não podemos errar no que é fácil. Tem certas pautas que precisam ser vistas e revistas à luz de um governo que não é de um determinado partido. É de uma frente ampla. Aí nós temos que fazer gestos.

P – Quais?

ST – Um deles é para o agronegócio. Ter Plano Safra bem definido. Garantir previsibilidade. Não há segurança jurídica com conflito agrário num país produtor e exportador de commodities.

Temos de avançar em pautas que atendem os dois lados. De um lado, é importante demarcar áreas indígenas. Mas é importante entender que a Constituição deu um prazo para se demarcar, que não foi cumprido. Então, não é mais justo que se tire quem tem o título da terra de mãos vazias, sem pagamento em dinheiro. Precisamos avançar nessa mudança da Constituição permitindo ao proprietário que tem a posse justa, mansa e pacífica de áreas privadas, não envolve a Amazônia, que ele receba em dinheiro antecipadamente. E essa terra é devolvida aos povos originários. São questões como estas que dá para resolver. O desafio é pacificar.

Também não é possível aceitar invasão de áreas produtivas.

Temos de achar espaço fiscal para garantir o plano dos assentamentos para os agricultores familiares. Eu sou do agro e tenho essa consciência de que quem produz hortifrutigranjeiros no Brasil é a agricultura familiar. Ela precisa ser fortalecida. Basta ter vontade política e não ter ideologia no processo. Não querer trazer pautas simplesmente para conflitar. E o presidente tem consciência, está antenado nisso.

P – Ele ficou preocupado com as invasões do MST. Como está essa relação com o agro?

ST – Ele entende o lado dos assentados no sentido de que as pessoas querem o espaço para produzir. Mas a sensação que eu tenho é que ele entende que nós estamos vivendo um momento em que o Brasil mudou. A própria sociedade não aceita invasão de área produtiva. Não posso falar por ele. Não conversei com ele sobre isso, mas a sensação que tenho é que o presidente sabe que tem condições de pacificar e resolver essa questão fundiária que estão iniciando agora.

Estamos olhando pelo retrovisor para consertar retrocesso armamentista, ambiental e social. Agora é que o governo começa. Acredito que o governo tem consciência e já deve estar conversando com seus ministros específicos em relação a isso.

P – Ainda na questão arrecadatória, o governo já teve uma amostra da pressão. No caso dos US$ 50 dos sites estrangeiros, recuou. Como lidar com isso?

ST – Recuou na forma, não no conteúdo. Só vai dar mais trabalho e fazer o dever de casa. Não mudando a legislação, mas fortalecendo a fiscalização.

P – Além deste caso, tem choradeira de todos os lados, não?

ST – Indo na linha da fala do Arminio de que a conta não fecha, o pulo do gato do arcabouço é que ele põe uma trava no gasto. Se gastar R$ 1 a mais, tem que prestar conta no Tribunal de Contas, no Congresso, e dá problema de responsabilidade na Justiça. A questão não é a meta. Para alcançar, eu preciso incrementar a receita mesmo. Mas para cumprir o arcabouço, eu não preciso aumentar a receita no que se referir ao gasto. Eu só posso gastar 70% do que arrecadar. Então, vou ter que aumentar para poder cumprir os sociais. Senão, vou ter que diminuir um pouco de cada. É esse impacto positivo que causa para efeito de taxa de juros e relação dívida/PIB.

Por outro lado, como é um governo que tem preocupação social, coloca uma batata quente no colo da Fazenda e no nosso, que é o seguinte: se virem, achem receita sem elevar imposto.

E no Brasil tem muita receita que, ou é sonegada, ou foram desonerações eleitoreiras do governo passado. Em uma delas, a gente resolve metade do problema com essa decisão do STF [sobre os benefícios do ICMS]. Vai ser decisivo para a gente não ter que pensar em um terceiro pacote. O primeiro pacote saiu lá atrás, com reoneração de PIS/Cofins, denúncia espontânea no Carf. O segundo é esse que vai tributar aposta eletrônica.

Não é fácil reonerar depois que foram dados os benefícios e incentivos, mas a reforma tributária também faz um arrastão e resolve grande parte do problema com gastos tributários.

P – E a reoneração da gasolina, que também deu gritaria do PT, e veio com o imposto temporário de exportação de petróleo?

ST – Foi uma decisão da equipe econômica, porque reonerar tudo impactaria a inflação. Mas foi feito. O imposto é temporário. Faz parte.

São tantas renúncias, desonerações sem sentido, sonegação. É um sistema tributário caótico. E o lado do copo meio cheio é que se tem onde buscar receita. Se não dá para mudar a lei dos US$ 50, então aperta na fiscalização. Tem gordura. Tem de onde tirar. Essa coisa da aritmética que o Arminio falou é o seguinte: de onde? Ele disse que a conta, por enquanto, não está fechando, porque a gente não apresentou ainda de onde vai incrementar a receita. Mas vai ser incrementada porque temos alternativas para colocar no lugar.

P – O governo tem prioridade no arcabouço e na reforma tributária, mas tem uma onda de CPI vindo aí. O que diz a sua experiência, de alguém que se destacou em CPI?

ST – A minha experiência, de muito tempo de Congresso, é que nós estamos em um momento distinto. É início de governo, e normalmente CPIs acontecem no fim, isso paralisa máquina pública.

Estas CPIs estão distantes da realidade do povo brasileiro. Não vão ter esse protagonismo, essa vitrine, e com isso paralisar o Congresso, como foi na pandemia. Todo mundo estava dentro de casa, desesperado atrás de vacina. Não tinha outra coisa, a não ser ficar assistindo à CPI.

Nem vou considerar CPI das Americanas, isso não dá o impacto. A maior, que é a do 8 de janeiro, pode interessar para nós que temos a noção real do risco que corremos, mas a grande parte da população está preocupada com emprego e comida. Eu diria que 70% da população não está preocupada com a CPI. Está, inclusive, cansada da polarização. Acho que vai ter uma exposição inicial e depois vai cair em cansaço, em ataques pessoais, grosseria. O que não vai faltar são memes. Espero estar errada, e que isso não seja vitrine para nos envergonhar, que haja urbanidade.

A oposição é mais liberal, então ela tem interesse. Esse Congresso é reformista. A reforma tributária, hoje, é uma pauta do Congresso. Ele está encampando, como foi com a autonomia do BC, a reforma da Previdência. Por isso a coisa vai andar.

P – Na reunião do Senado na semana passada, a sra. fez uma fala forte sobre os reflexos das decisões do BC. Essa fala sobe o tom?

ST – Eu sou a favor da autonomia do BC. As decisões são técnicas, mas os comunicados e as atas, como qualquer ato administrativo é um ato político. Eles têm que direcionar e falar do Brasil real. Tem que colocar o que o governo está fazendo. Tem que sinalizar: olha, o arcabouço está vindo, isso é positivo. Não estou vendo esse gesto. Eu vejo comunicados muito duros. E uma ata que, depois, quando apanha, vem flexível. Não pode ser assim.

Por mais que sejam decisões técnicas, o BC tem que entender que, como política monetária, da mesma forma como a fiscal, ela tem o foco de garantir um ambiente macroeconômico que permita ao Brasil fazer política pública e cumprir seu compromisso social. Tem de ter a visão macroeconômica sob a ótica do IDH, da desigualdade regional. Esse mapeamento tem de ser parte do processo.

A diferença do veneno e do remédio é na dose. Então, 13,75% está fazendo bem ou mal? Se fizer mal a ponto de o comércio fechar as portas e a indústria não contratar, eu estou matando o paciente, que é a sociedade.

P – A sra. tem um dos três votos no Conselho Monetário Nacional. Pensa em mudança de meta?

ST – Meta de inflação é uma não-discussão. Qualquer um dos três que fale de meta de inflação cria um problema seríssimo e aumenta a inflação no dia seguinte.

JOANA CUNHA / Folhapress

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