BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) poderá fazer um gasto extra de R$ 15 bilhões a R$ 28 bilhões em 2024 caso consiga elevar a arrecadação no ano que vem, conforme dispositivo incluído pela Câmara dos Deputados no novo arcabouço fiscal. O texto ainda precisa ser validado pelo Senado Federal.
Após as críticas geradas pela manobra de fixar a alta das despesas no teto de 2,5% no primeiro ano da regra, o relator, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), incluiu em seu parecer que foi à votação um meio-termo: inicialmente, restringe a expansão de gastos do governo, mas autoriza a abertura de novos créditos em caso de surpresa positiva do lado das receitas.
Segundo cálculos da consultoria da Câmara, o texto aprovado pelos deputados deve resultar em um aumento inicial no limite de despesas de 1,15% a 1,8% acima da inflação. A conta equivale a 70% da alta real de receitas prevista para ocorrer em 12 meses até junho deste ano.
O percentual deverá ser usado como referência na elaboração da LOA (Lei Orçamentária Anual) de 2024, a ser entregue em 31 de agosto, e se situa dentro da margem de crescimento das despesas estipulada no novo arcabouço (0,6% a 2,5% ao ano).
A equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) tinha uma expectativa de que a regra aprovada no Congresso viabilizasse um avanço próximo do limite máximo no ano que vem, para acomodar uma série de despesas cujo aumento já está contratado.
Para não frustrar essa intenção, os parlamentares fizeram uma concessão ao governo e validaram, na noite desta quarta-feira (24), um dispositivo que autoriza o Executivo a abrir créditos adicionais, caso haja uma perspectiva de aumento mais intenso da arrecadação até o fim de 2024.
A equipe econômica poderá calcular, em maio do ano que vem, quando o governo divulga a segunda avaliação bimestral do Orçamento, uma estimativa de alta real da arrecadação em relação a 2023 e aplicar a proporção de 70%. Se isso resultar num número maior do que o que corrigiu o limite de gastos na LOA, a equipe econômica poderá abrir novos créditos em valor equivalente.
Na prática, a versão aprovada permite que a arrecadação extra em 2024 abra espaço para mais gastos. Pelas contas da Câmara, a expansão adicional ficará entre 0,7% e 1,35% –o que resulta nos R$ 15 bilhões a R$ 28 bilhões.
Nos cálculos do próprio governo, caso o diferencial fique em 1%, isso abrirá um espaço de R$ 20 bilhões no Orçamento do ano que vem.
A despesa extra também poderá ser incorporada à base de cálculo para 2025 e anos seguintes, com uma exceção: se ao fim de 2024 o ganho esperado na arrecadação se frustrar –levando o limite de despesa crescer acima de 70% da alta da arrecadação–, os créditos excedentes serão descontados do limite de 2025. O valor a mais também será retirado da base de cálculo dos anos seguintes.
Nas contas de Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, a fixação do crescimento da despesa em 2,5% no ano que vem poderia ampliar os gastos em R$ 29,3 bilhões, gerando um efeito em cascata nos anos seguintes superior a R$ 36 bilhões ao ano.
“No novo regramento, o resultado poderá ser, na prática, uma taxa de variação real que se situará entre 1,1% e 2,5%”, afirma.
A mudança feita pelo Congresso representou uma concessão à equipe de Haddad, que queria um espaço inicial maior para acomodar gastos como o novo piso da enfermagem e a retomada dos mínimos de saúde e educação atrelados a um percentual das receitas –regra que pode levar a um crescimento mais veloz dessas despesas, pressionando o arcabouço.
No entanto, o próprio Ministério da Fazenda tem chamado a atenção para o fato de que o gasto extra só poderá ocorrer se o governo assegurar o cumprimento da meta de resultado primário. Para 2024, o compromisso da equipe econômica é zerar o déficit, equilibrando receitas e despesas.
Se a abertura dos créditos adicionais ficar em risco, o próprio texto obriga o governo a contingenciar recursos –na prática, seria o mesmo que gastar com uma mão e frear com a outra.
O texto aprovado pela Câmara também alterou o piso de investimentos, o que, na avaliação de Salto, dará mais flexibilidade ao governo na gestão do Orçamento.
A proposta original previa um patamar mínimo de investimentos da ordem de R$ 75 bilhões (equivalente à previsão para este ano), valor que seria corrigido ano a ano pela inflação. No texto aprovado pela Câmara, esse piso será de 0,6% do PIB.
“A nova regra, quando comparada à anterior, abre R$ 14,9 bilhões de saída nas despesas discricionárias [em 2024], aumentando o espaço para fazer resultado primário”, avalia Salto. Segundo ele, porém, não há garantia de que essa regra continuará sendo mais vantajosa do ponto de vista da flexibilidade orçamentária.
IDIANA TOMAZELLI / Folhapress