BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo do presidente Lula (PT) quer propor nas negociações do acordo entre Mercosul e União Europeia um dispositivo para proteger a exportação de produtos brasileiros diante das novas exigências ambientais do bloco europeu.
A ideia é defender que o Brasil seja declarado no próprio texto do acordo um país de baixo risco de desmatamento. O argumento é que cerca de 80% do território brasileiro se enquadra nesse critério e, portanto, o país pode ter um desembaraço mais célere para as exportações.
Com isso, seria possível reduzir uma série de requisitos ambientais que ainda não estão postos de forma clara pela União Europeia, e que preocupam governo e exportadores brasileiros.
Em abril, o Parlamento Europeu, que avaliza as leis que serão aplicadas pelos 27 países da União Europeia, aprovou uma norma que proíbe a venda no continente de produtos ligados a desmatamento.
A ação legislativa europeia foi criticada por interlocutores brasileiros e dos demais países do Mercosul, que a consideram um novo empecilho para a conclusão de um tratado comercial em negociação há praticamente 20 anos. Um integrante do governo brasileiro avalia que as novas leis podem ter o efeito de anular de forma unilateral pontos já pactuados entre os dois blocos.
Se havia otimismo entre negociadores no início do ano em relação ao tema, o clima atual é de apreensão. Já é considerado bastante improvável que as partes anunciem qualquer avanço significativo na cúpula da União Europeia com a Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos), em meados de julho em Bruxelas.
A principal preocupação entre integrantes do governo é como essas novas regras ambientais serão aplicadas. Por exemplo, quem será responsável pelo certificado a ser exigido pelo bloco europeu e se seria uma agência brasileira ou internacional.
A estratégia do Brasil é tentar resolver essas questões em uma negociação mais ampla, via o acordo Mercosul e União Europeia. Pelo plano traçado por auxiliares de Lula, essas tratativas incluiriam formas de reduzir exigências a produtos nacionais ou então estabelecer prazos e processos que não atrapalhem as exportações, principalmente de produtos agrícolas.
Nesta segunda-feira (12), durante declaração conjunta com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, Lula criticou exigências ambientais que os europeus querem no acordo com o Mercosul e disse que a premissa das negociações não deve ser de “desconfiança e sanção”.
“A União Europeia aprovou leis próprias com efeitos extraterritoriais e que modificam o equilíbrio do acordo. Essas iniciativas representam restrições potenciais às exportações agrícolas e industriais do Brasil”, afirmou Lula na ocasião, se referindo à norma de abril.
Para auxiliares de Lula, falta detalhamento e regras claras nas condições exigidas pela Europa para a compra de produtos.
Sem essa clareza de como as novas leis serão aplicadas, há um risco elevado para impedir grande parte da exportação de produtos brasileiros para o bloco, avaliam representantes do Brasil que participam das negociações.
Por isso, o governo brasileiro quer que esses termos sejam regulamentados ou seja, que a redação deixe explícito como as exigências ambientais vão funcionar na prática e que traga mecanismos que protejam a venda de produtos para o bloco europeu.
A designação do Brasil como um país de baixo risco de desmatamento seria uma garantia adicional de que não haveria barreiras contra exportações brasileiras.
Na lei aprovada pelo Parlamento Europeu, não se trata apenas da madeira derrubada. Qualquer cultura que use local onde houve desmatamento ilegal sofrerá sanções de compra pelos países da UE.
A linguagem é considerada preocupante porque pode abranger, na prática, uma série de produtos brasileiros principalmente os originários da Amazônia.
Há uma lista de produtos primários na lei: gado, madeira, soja, café, cacau, borracha e dendê. Qualquer outro produto que seja alimentado com um deles (carnes de animais que comam ração produzida com soja, por exemplo) ou derivado dessas commodities também estão contemplados no texto, como couro, chocolate, móveis, carvão vegetal, produtos de papel impresso, derivados de óleo de palma, entre outros.
Nenhum país ou mercadoria específica está proibida. No entanto, as empresas só poderão vender esses bens na UE após o fornecedor emitir documento auditado confirmando que o produto não vem de terras desmatadas ou levadas à degradação florestal após 31 de dezembro de 2020.
O Mercosul e a União Europeia terão uma nova rodada de negociação do acordo entre os blocos no fim do mês. O encontro está previsto para acontecer na Argentina entre os dias 28 e 30 de junho.
Na ocasião, segundo negociadores brasileiros, há a intenção de o bloco sulamericano apresentar uma contraproposta à chamada “side letter”, que é uma carta de compromisso adicional e que torna obrigatórias as condições ambientais.
Esse é um dos principais impasses para a ratificação do acordo. Enquanto a Europa quer garantir que a exportação de commodities com problemas ambientais seja vista como uma violação, membros do governo brasileiro consideram as condições muito rígidas.
No encontro de segunda-feira, Lula também criticou esse tema.
“Expus à presidente Von der Leyen as preocupações do Brasil com o instrumento adicional ao acordo apresentado pela União Europeia em março deste ano, que amplia as obrigações do país e as torna objeto de sanções em caso de descumprimento. A premissa que deve existir entre parceiros estratégicos é a da confiança mútua e não de desconfiança e sanções”, disse o presidente.
Lula também vem dizendo publicamente que precisa ser revisto o mecanismo referente a compras governamentais, que precisam ser reservadas para os pequenos e médios produtores dos países. Nos bastidores, membros do governo afirmam que se trata de uma demanda genuína, mas que ganhou força recente com a insistência dos europeus no protocolo ambiental adicional.
A contraproposta a ser apresentada no fim do mês, na avaliação de integrantes do governo brasileiro, deverá apontar trechos que são considerados excessivos e poderá também sugerir que, para cumprir determinadas exigências, haveria uma contrapartida da UE, como financiamento de ações ambientais no país.
O pacote ambiental da UE não é o único obstáculo que recentemente surgiu para a conclusão do tratado.
Na terça-feira (13), a Assembleia Nacional da França aprovou uma resolução contra a ratificação do acordo comercial numa votação sem poder de lei, mas que sinaliza politicamente o tamanho da rejeição ao tratado no Parlamento francês.
Em entrevista a rádios de Goiás, na manhã desta quinta-feira (15), o presidente Lula usou a decisão do parlamento francês para pedir mais racionalidade ao agronegócio brasileiro, em particular sobre o uso de agrotóxicos.
“Eu não sei se você percebeu, mas ontem o Senado francês, o parlamento francês disse que não vai votar o acordo Mercosul-União Europeia por causa da quantidade de veneno usado nos produtos agrícolas brasileiros. Então é importante a gente levar em conta que ser racional, cuidar da agricultura de boa qualidade é uma necessidade competitiva do Brasil para a China e para a França, para os Estados Unidos e para a Alemanha”, afirmou o mandatário.
THIAGO RESENDE E RICARDO DELLA COLETTA / Folhapress