SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que mudar as metas de inflação em um momento de turbulência econômica pode passar uma mensagem errada ao mercado: a de que se procura mais flexibilidade e não mais eficiência.
A afirmação foi feita nesta segunda-feira (22), durante seminário sobre os dois anos de autonomia do Banco Central, com objetivo de debater diferentes pontos de vista sobre o tema e entender as lições para o futuro, promovido pela Folha de S.Paulo. O evento aconteceu no auditório da sede do jornal, em São Paulo, e teve patrocínio da Febraban (Federação Brasileira de Bancos).
O evento pode ser visto na íntegra neste link e no canal do jornal no YouTube.
Campos Neto afirmou que a decisão de mudar a meta é do governo, por meio do CMN (Conselho Monetário Nacional), e não do Banco Central, “que procura aconselhar com base em estudos e experiências internacionais”.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem aventado a possibilidade de mudar o período de tempo para observação da meta de inflação. Hoje ela deve ser obtida ao final do ano fiscal. Haddad tem sugerido uma calibragem mensal.
Segundo Campos Neto, mudanças podem trazer eficiência, mas devem ser feitas em momentos de calmaria. Caso contrário, cresce o risco de o mercado financeiro entender que o objetivo é flexibilizar o combate à inflação, com prejuízo para o trabalho do BC de mantê-la em direção à meta.
“Quem decide a meta é o governo, o BC serve de ‘advisor’. O que a gente percebe é que as mudanças, quanto são feitas para ganhar eficiência, esse ganho é atingido quando você está em um ambiente de calmaria e com a inflação dentro da meta. Quando está fora da meta, pode ter uma interpretação de que pode ter sido feito para ganhar flexibilidade, e isso pode ter impacto negativo.”
Questionado sobre as críticas pessoais do presidente Lula à sua atuação no comando do BC, Campos Neto afirmou que essa personificação “demonstra falta de conhecimento” em relação a essas regras.
“Depois de ter subido os juros no ano eleitoral, da forma como a gente subiu, para garantir que o novo mandato, independente de quem ganhasse, fosse um mandato em que a inflação seria mais comportada, eu confesso que imaginei que isso seria reconhecido”, afirmou.
“Acho que ao longo do tempo isso acaba ficando mais claro para a sociedade e para o Executivo.”
Campos Neto afirmou que a legislação garante autonomia não só do presidente do BC em relação ao governo, mas dos demais diretores da instituição em relação ao próprio comandante da autoridade monetária. “Algumas declarações vão no sentido de não entender a regra do jogo.”
Segundo o presidente do BC, diversos estudos mostram que a autonomia da autoridade monetária faz com que a inflação seja mais baixa e menos volátil.
“Os ganhos da autonomia estão aí. Se a gente não tivesse autonomia, no período de eleição a gente teria tido mais volatilidade nos mercados. É importante separar o ciclo político do ciclo econômico. A gente precisa ter harmonia entre o fiscal e o monetário, mas muitas vezes o tempo deles é diferente.”
Ele deu como exemplo o que aconteceu no Peru, país em que os problemas políticos não causaram problemas para a política monetária. O mesmo, segundo ele, não pode ser dito de países como Argentina e Turquia.
O ideal é que a autonomia do BC seja reforçada e ampliada para outras áreas, disse Campos Neto. Experiências recentes do órgão com greves de funcionários mostram que o BC tem incapacidade de gerir essas relações e seria desejável uma autonomia administrativa.
“Sempre volto para as notinhas do meu avô [Roberto Campos (2017-2001), um dos idealizadores do órgão], em que ele desenhou a autonomia do Banco Central, e há três flechinhas: autonomia operacional, autonomia administrativa e autonomia financeira.”
Ele disse que sua gestão consolidou a autonomia operacional, mas que “é importante avançar nas outras duas”.
JUROS ALTOS E CRÍTICAS DE LULA
Campos Neto e o presidente Lula (PT) têm travado embate sobre a taxa básica de juros no país (Selic), fixada em 13,75% ao ano pelo Copom (Comitê de Política Monetária).
A leitura petista é que o juro alto prejudica a atividade econômica, cuja retomada é vista como crucial para a consolidação de apoio popular e político ao governo.
Nesta semana, o presidente encaminhou ao Senado a indicação do secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, nome de sua confiança, para a vaga de diretor de política monetária do BC. Caso seja aprovado, ele vai ocupar a diretoria responsável por decidir o patamar da taxa básica.
No fim de abril, Campos Neto esteve na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado para dar explicações sobre o patamar da Selic.
“Nosso trabalho é fazer a inflação convergir para a meta com o mínimo de custo social”, afirmou, na ocasião. “Não é verdade que o Brasil está afundando em recessão sem fim. A gente está tentando fazer um trabalho de trazer a inflação para a meta, porque a inflação é um elemento muito corrosivo para os rendimentos dos mais carentes, e a gente precisa fazer isso da forma mais suave possível.”
Pacheco também já se manifestou sobre a questão. “Se há algo que nos une é a impressão, o desejo, a obstinação de reduzir a taxa de juros”, disse Pacheco durante participação em Londres de conferência do grupo Lide, em abril.
Redação / Folhapress