BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma mudança no índice de correção dos recursos aplicados no FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), tema em julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal), terá impacto negativo em dois setores-chave para o governo federal, o saneamento básico e a moradia popular, de acordo com representantes das duas áreas.
Não há, entretanto, um impacto direto para o Tesouro Nacional se a tendência atual de corrigir os rendimentos a partir de agora for mantida. Um aporte só seria necessário caso a decisão retroaja e afete em demasia o equilíbrio financeiro do fundo.
Na moradia popular, o tema interessa porque a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem colocado o setor como parte crucial da área social. O governo relançou o Minha Casa, Minha Vida e fala em contratar 2 milhões de novas moradias até 2026.
Habitação e saneamento são os dois setores que mais tomam recursos para financiamento no FGTS. Em 2023, o fundo reservou R$ 7 bilhões para o saneamento e R$ 68,1 bilhões para o setor habitacional.
Em ambos os casos, as metas do governo podem ser comprometidas pelo aumento das taxas cobradas pelo FGTS para financiamentos. Isso porque será preciso remunerar mais as pessoas com saldo no fundo, que, por sua vez, deverá aumentar as taxas de juros para compensar.
Além disso, contratos de imóveis de Caixa e BB com cláusulas que ligam os custos do financiamento à correção do FGTS também podem ficar mais caros.
O presidente da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras), Luiz França, calcula que a renda mínima familiar para comprar um imóvel de R$ 180 mil com recursos do FGTS passará de R$ 1,9 mil para R$ 4,3 mil com a troca no índice de correção. O valor da parcela não pode superar 30% da renda mensal.
“Ou seja, as pessoas com a maior necessidade de habitação e de subsídio vão ser as mais atingidas”, avaliou.
“No FGTS, [a fatia de] quem ganha acima de quatro salários mínimos corresponde a 14% do fundo. Quem ganha abaixo corresponde a 86% do fundo. Quem você está prejudicando com a mudança? Os 86% que têm cotas do fundo e que não terão mais a capacidade de comprar a casa própria em detrimento de melhor rendimento para 14% das pessoas”, explicou.
“O FGTS tem um efeito Robin Hood”, apontou o presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), José Carlos Martins. Isso porque, de acordo com ele, 83% dos cotistas têm até R$ 2,3 mil no fundo.
São pessoas com renda mais baixa e com rotatividade maior no emprego. Por causa disso, acessam mais os recursos no FGTS e, portanto, são menos beneficiadas pela troca no índice de correção.
No caso da habitação, quem faz o empréstimo com recursos do Fundo de Garantia é a pessoa física. Já no saneamento, quem toma o empréstimo são as companhias em busca de recursos para fazer investimentos.
Nesse caso, uma fonte de recursos mais cara levará a menos investimento, deixando mais distante a meta de universalizar o acesso.
“Não existe almoço grátis e é preciso ver quem paga a conta. Se for aumentar o custo de financiamento para o saneamento, vai ser o próprio trabalhador que vai pagar”, opinou Manuelito Magalhães Junior, presidente da Sanasa, empresa municipal de saneamento que atende Campinas.
“O Brasil é nonsense. Estamos discutindo o marco regulatório para acelerar investimento. Um dos grandes gargalos é que tem poucos recursos, e aí vamos encarecer um desses recursos. Sobra cada vez menos”, continuou.
A ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.090 em análise no Supremo discute a constitucionalidade das atuais regras de correção do FGTS, que rende 3% ao ano mais TR (Taxa Referencial) –que é próxima de zero.
O pedido é para que essa correção seja trocada por um índice de inflação, o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) ou o IPCA-E (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial) –ambos calculados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Os ministros Luís Roberto Barroso, relator da ação, e André Mendonça já apresentaram seus votos, propondo que a correção mínima do FGTS seja a da poupança, atualmente em 6,17% ao ano (veja simulações aqui).
O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques e não há previsão para retornar à pauta do Supremo, mas ele disse que votar a matéria na próxima semana ou na seguinte “não trará absolutamente nenhum prejuízo para os titulares de depósitos fundiários”.
LUCAS MARCHESINI / Folhapress