BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Os indicadores que ditarão o ritmo de crescimento das despesas sob o novo marco fiscal em tramitação no Congresso serão fixados no texto do projeto de lei complementar de forma a valerem também para os próximos governos, antecipa o relator da proposta, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), em entrevista à reportagem.
O projeto apresentado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) prevê que os gastos vão subir de 0,6% a 2,5% acima da inflação por ano, mas essas referências seriam válidas apenas entre 2024 e 2027. Depois disso, a escolha dos parâmetros poderia ser feita na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) enviada no primeiro ano de cada mandato e mais fácil de ser modificada por demandar menos votos do que um projeto de lei complementar.
“Estou trazendo [os parâmetros] para o corpo do texto do marco fiscal”, diz Cajado. “Acho que isso traz segurança e mais confiabilidade.”
O relator também quer deixar no passado a denominação “arcabouço fiscal” pela qual o projeto ficou conhecido e que ele considera de difícil compreensão. Segundo ele, já há acordo para rebatizar o projeto de Regime Fiscal Sustentável.
Cajado sinaliza ainda que pode tornar mais rígidas as exigências para o cumprimento da regra, com a possível obrigação de contingenciar recursos durante o ano em caso de ameaça à meta fiscal (na versão do governo, o bloqueio seria opcional), e da criação de eventuais gatilhos de correção para reequilibrar as contas.
Além disso, ele estuda modificar a lista de despesas que ficam fora do limite análise que inclui os aportes do Tesouro Nacional em empresas estatais.
Cajado afirma que a aprovação do novo marco pode abrir caminho para a redução da taxa de juros e que não há risco de o Congresso afrouxar o projeto enviado pelo Executivo. Segundo ele, os parlamentares vão aprovar a proposta independentemente da consolidação de uma base de apoio ao governo no Legislativo porque nenhum congressista quer o retorno do teto de gastos. “É a lei mais importante que vamos votar neste ano.”
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PERGUNTA – O que o sr. pode antecipar de mudanças que estarão no relatório?
CLÁUDIO CAJADO 0- A regra está inserida [num desenho em que] as balizas e os parâmetros [ficaram] para a LDO. A meta de resultado primário você projeta na LDO com as balizas que ele [governo] colocou de crescimento real, 0,6% a 2,5%, podendo ter a [alta na] despesa de 50% a 70% [do crescimento da receita]. Qual é a alteração que eu estou fazendo, que será importante? Em vez de você deixar essas balizas e esses parâmetros para a LDO, que é uma legislação que a gente altera muito aqui a média é alterar a LDO três vezes num ano, estou trazendo para o corpo do texto do marco fiscal.
P – Hoje ele fixa, já no projeto, as balizas e os parâmetros para os próximos quatro anos, mas para períodos seguintes poderia ser definido na LDO. A ideia é que agora já seja fixado para todos os anos?
CC – Isso. Será inserido no texto do marco fiscal, com uma margem de horizonte maior.
P – E seriam esses mesmos parâmetros?
CC – Seriam os mesmos parâmetros, porque o conceito do marco fiscal me agrada. É diferente do teto de gastos, em que mesmo tendo elevação de receita você não poderia gastar. O que sobrava ia tudo para [abater] dívida.
Por que estamos colocando [os parâmetros no texto]? Justamente porque você terá um regime fiscal sustentável e seguro, para que não tenha alterações. Aí você pode dizer ‘sim, deputado, mas não está impedido de alterar’. Não, não significa que no futuro não possa se mexer, daqui a quatro ou cinco anos. Olha,as condições estão melhores, então essa baliza de 0,6% a 2,5% pode partir para 1% e 3,5%. Mas você alterar LDO é muito mais simples do que alterar o bojo da lei.
P – Ficaria mais blindado, então.
CC – O conceito ficaria mais preservado. Acho que isso traz segurança e mais confiabilidade.
P – Isso já está negociado com as bancadas e com o governo?
CC – Eu não conversei isso com absolutamente ninguém. Essa é a primeira vez que está tendo alguma informação de como virá o texto. Todo o texto está sendo trabalhado de acordo com as sugestões que estou recebendo, mas eu não expus para ninguém ainda.
P – Dessas sugestões, a questão da segurança dos parâmetros era um ponto relevante?
CC – Senti que todos concordam com essa postura. E essas balizas, esses parâmetros, eu não senti críticas, [só algumas] muito pontuais.
A diferença do teto de gastos para esse marco fiscal é que você tem condições de manter um gasto mínimo, movimentando a máquina do governo, fazendo com que as políticas públicas continuem sendo efetivadas, que é o que o governo atual pensa. O gasto público para eles é sinônimo de desenvolvimento. Esse conceito é, na grande maioria, muito bem aceito. Acho que o poder público realmente é um indutor de políticas que são importantes, contanto que tenha equilíbrio e controle das contas.
P – Setores do PT acham que a regra ficou muito restritiva em relação aos gastos. E há agentes econômicos que acham que ficou muito branda. O sr. acha que os parâmetros são válidos?
CC – É verdade. O próprio PT, parte do PT, falou mal do projeto do governo. Eles acham que o projeto não é bom. Essa ala que critica não queria ter parâmetro algum, em tese. Queria deixar as coisas muito soltas. O governo apresentou parâmetros, e não vieram contribuições ou sugestões que pudessem melhorar dentro do conceito de marco fiscal sustentável.
P – Uma crítica recorrente é que o marco aposta muito na ampliação da arrecadação. O sr. sente essa crítica no Congresso?
CC – Sinto, mas acredito que o governo vai, sim, conseguir melhorar a receita. Confio muito nisso. Estou aguardando um ofício que fiz questão de formalizar ao secretário especial da Receita, [Robinson] Barreirinhas, [para saber] quais são as expectativas de elevação de receita e em quais áreas. Acredito que o governo pode realmente melhorar a arrecadação fiscalizando melhor quem não está contribuindo com os seus impostos. Tem vários exemplos, esses sites chineses, as apostas esportivas. Tem essa questão do Carf, o voto de minerva. Tem medidas como essa dos incentivos fiscais do ICMS. E o ministro Haddad me disse que, depois do marco fiscal, vai propor algumas medidas. Vejo espaço nisso. Se o governo der uma alavancada entre R$ 100 bilhões e R$ 120 bilhões para este ano, ele mantém o marco fiscal sustentável por um grande período.
P – O Congresso não pode interpretar isso como um aumento de carga tributária?
CC – Não. Aumento de carga tributária seria elevar uma alíquota. Se você for, por exemplo, voltar a cobrança da CPMF. Isso o Congresso rejeita.
P – A MP do Carf teve forte resistência no Congresso, e a tributação das compras do exterior teve enorme repercussão negativa. O que garante que o Congresso vai efetivamente ajudar nessas medidas?
CC – Não garante. Somente com o governo, que está com sua base completamente desorganizada. O governo não tem base sustentável aqui hoje para poder aprovar qualquer medida.
P – Mesmo o arcabouço?
CC – Muda o nome, o Regime Fiscal Sustentável Isso tem acordo, viu? Todos concordaram com esse novo termo. Arcabouço remete a ossada, a restos mortais. Vamos fazer uma coisa mais moderna, né?
Em relação à votação, confio que esse projeto perpassa qualquer questão político-ideológica. Nós estamos fazendo uma lei para o país. É a lei mais importante que vamos votar neste ano. E trazendo o equilíbrio das contas públicas, nós vamos atingir a política monetária, com a queda dos juros.
O Banco Central disse no Copom que o marco fiscal ainda não foi votado. A partir do momento que a gente toma não uma, mas várias atitudes, não tem jeito, o juro vai baixar. E se os juros abaixarem, esse governo, pode ter certeza disso, vai disparar no crescimento econômico.
P – Mesmo assim, a derrubada de trechos do decreto do Marco do Saneamento não gera um alerta?
CC – Não, não, não. Todos têm consciência de que o país precisa de um novo regime fiscal. Mais importante: se não votarmos o regime fiscal, o que é que vai prevalecer? Prevalece o teto de gastos. E quem quer o teto? Ninguém.
P – O BC cita a incerteza de como o Congresso vai aprovar esse texto. Há o risco de se deixar o regime mais frouxo?
CC – Mais frouxo não acredito. As mudanças que vierem devem ser justamente no sentido de você robustecê-lo.
P – Outro ponto é a questão da criminalização e da punição. Como o governo mandou, o contingenciamento em caso de ameaça ao cumprimento da meta seria opcional. Isso pode mudar?
CC – Tenho que aguardar críticas e sugestões. Devo apresentar o relatório na quarta-feira (10). Ainda falta conversar com várias bancadas, e devo fazê-lo na terça e na quarta da semana que vem. A partir daí tenho condições de apresentar o relatório com todos os aspectos que eu considero importantes.
P – Mas o sr. diria que há essa demanda?
CC – Há demanda. De grande parte dos deputados.
P – O ministro, inclusive, falou publicamente que essa é uma questão que está sendo estudada pelo senhor. A gente pode esperar alguma mudança nesse sentido, então?
CC – [Silêncio]
P – Vamos colocar na entrevista “deputado arregala os olhos”. [Risos]
CC – Vamos aguardar. Vamos ver. Deixa eu terminar com as bancadas.
P – Mas o que o sr. pensa sobre isso?
CC – Não quero emitir opinião, porque a discussão pode travar, ou então isso pode se direcionar para outros aspectos. Prefiro que a discussão se manifeste. Estou colhendo as informações.
P – Quais outras sugestões o sr. recebeu?
CC – Basicamente em cima das excepcionalidades. Tem muita crítica, são 13.
P – O sr. pretende mexer?
CC – Tem muita sugestão, para incluir e para tirar [da lista de exceções]. Muito mais para tirar.
P – E o sr. acha alguma válida?
CC – Estamos estudando cada uma, porque algumas são de ordem constitucional. Mas tem uma discussão de que, como algumas delas estão constitucionalizadas pela PEC da Transição, ao votar o novo marco a PEC deixa de prevalecer.
P – Há exceções previstas no teto de gastos, e ao aprovar e sancionar o projeto do arcabouço, isso é revogado
CC – E automaticamente deixa de ser constitucional. Você pode mexer.
P – As exceções da PEC da Transição são doações, receitas próprias de universidades
CC – Tem essas, estamos estudando se vale a pena. Qual o conceito que a gente está avaliando? O que tiver neutralidade orçamentária não tem problema, entra de um lado e sai do outro. Eu doo e você constrói alguma coisa ou compra. Então não tem problema estar fora [do teto]. Estamos avaliando o que pode ter impacto.
P – No caso das estatais, o governo manteve sob o limite os aportes só nas empresas financeiras. Mas houve manobra lá atrás com a Emgepron, estatal militar que recebeu aporte para construir navio, e isso foi alvo de alerta do TCU. Como evitar esse tipo de manobra?
CC – Estamos estudando esse excludente.
P – O teto hoje tem gatilhos para correção das contas, mas não há isso na proposta do atual governo. O sr. vai incluir no parecer?
CC – Isso está sendo muito criticado e tem muita sugestão nesse sentido. Estamos avaliando o que chamamos de gatilhos. Seriam punições a mais. Sanções pelo não cumprimento da meta. Porque qual a sanção prevista pelo não cumprimento da meta?
P – Crescimento real de 50% das despesas em vez de 70%. E a mensagem do presidente ao Congresso citando iniciativas de ajuste.
CC – O governo acha que essas duas medidas são um ‘enforcement’ [incentivo ao cumprimento da regra] e que não precisa de mais. Mas muita gente critica, então estamos avaliando.
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TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO
– Projeto de lei ordinária (caso do PLDO): Para ser alterado, precisa do aval de apenas metade dos presentes na sessão mais um, desde que compareçam 257 deputados e 41 senadores (maioria simples).
– Projeto de lei complementar (caso da proposta do arcabouço): Para ser alterado, precisa do aval de ao menos 257 deputados e 41 senadores (maioria absoluta).
RAIO-X
CLÁUDIO CAJADO (PP-BA), 59
Deputado federal desde 1995. Também já foi vereador em Dias D’Ávila, na Bahia. Presidiu interinamente o PP no ano passado. É aliado próximo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
IDIANA TOMAZELLI E FÁBIO PUPO / Folhapress