SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Do começo de 2020 ao final de 2021, aproveitando-se dos juros historicamente baixos para enfrentar os efeitos econômicos da pandemia de Covid-19, um número recorde de aberturas de capital foi registrado no Brasil. Nos dois anos somados, foram 65 empresas que buscaram recursos via oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês).
Passados quase dois anos desde que a última destas ofertas foi fechada, da fabricante de medicamentos Viveo, em agosto de 2021, o saldo é negativo para quem acreditou nestas companhias desde o começo.
Somente 10 das 65 ações lançadas no mercado entre o começo de 2020 e o final de 2021 apresentam desempenhos positivos desde a estreia. Segundo levantamento da plataforma QuantBrasil, os retornos variam de alta de quase 68% a queda de quase 94%, desde a data do IPO até o dia 5 de abril.
Entre os piores desempenhos da lista, estão empresas de vários segmentos, mas que possuem, em comum, um perfil mais voltado para tecnologia.
A ponta negativa entre os IPOs está com a ação ordinária da Espaçolaser, empresa que tem como sócia Xuxa Meneghel. As ações caem 94,77% desde o IPO, realizado no primeiro dia de fevereiro de 2021.
A empresa está fora deste perfil mais tecnológico e, segundo analistas, sua atividade, de depilação a laser, é penalizada em um cenário de inflação alta e renda estagnada.
Logo em seguida, a lista de maiores quedas desde o IPO é dominada por empresas que atuam com comércio e serviços online, ou até mesmo companhias que fabricam componentes tecnológicos.
A ação ordinária da loja eletrônica de móveis Mobly acumula queda de 92,693% desde sua abertura de capital, também em fevereiro de 2021. Logo depois vem a ordinária da Infracoomerce, que presta serviços para empresas que atuam no comércio eletrônico, com recuo de 91,86%.
Outras empresas com quedas superiores a 90% desde a abertura de capital são TC (Traders Club), plataforma voltada para investidores, Enjoei, de comércio online de vestuário, Westwing, loja online de móveis e decoração, e Alphaville, empresa de construção especializada em condomínios horizontais e urbanismo.
Empresas como a Multilaser, que comercializa acessórios para computadores e celulares, GetNinjas, que oferece serviços domésticos via aplicativo, Cruzeiro do Sul, de educação, e o Banco Modal recuam mais de 80% desde que abriram capital.
Ivan Barboza, sócio da Ártica Investimentos, afirma que o IPO dificilmente é um bom negócio para o investidor. No cenário em que foram realizadas estas operações, com juros a 2% ao ano para enfrentar a pandemia, essa tendência era ainda maior.
“Nós, na Ártica, nunca entramos em IPO, e não recomendo para ninguém. O que acontece é que muitos fundos de pensão, principalmente do exterior, estavam com muito dinheiro para investir. Eles viabilizaram essas operações”, afirma Barboza.
A Ártica é uma gestora relativamente pequena, que chegou a R$ 200 milhões em recursos aplicados. Com uma estratégia de estudar profundamente a relação entre preços, resultados e ambiente de negócios de cada empresa, o fundo da Ártica tem um retorno médio de 29% ao ano desde 2013, e o retorno acumulado é de quase 950% em dez anos.
Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, concorda que as empresas aproveitaram uma oportunidade, com “dinheiro sobrando” por causa da injeção de recursos pelos bancos centrais e pela busca dos fundos por retornos maiores na renda variável, com os juros reais negativos em todo o mundo.
“Muitas empresas apresentaram preços para as ações muito além do patamar que poderiam de fato entregar nos resultados, focando no potencial e nos últimos balanços antes da operação, que vinham fortes exatamente pela preparação para o IPO”, diz Alves.
Os bons negócios
Na ponta positiva da lista está a ação ordinária da Vamos, empresa que atua com locação de caminhões e outros veículos pesados. Desde que abriu seu capital, em janeiro de 2021, a ação tem alta acumulada de 67,77%, segundo dados da QuantBrasil.
Em relatório para comentar os resultados do quarto trimestre de 2022, os analistas do Banco Safra reforçam a recomendação de compra da ação.
“Nossa preferência pela empresa é explicada principalmente pelo seu sólido e consistente desempenho operacional, que deve persistir considerando o enorme e ainda pouco explorado mercado de locadoras de veículos pesados”, dizem os analistas do Safra.
No começo de abril, a empresa anunciou a aquisição da Tietê Veículos, concessionária de caminhões e ônibus da marca Volkswagen.
Para os analistas Pedro Bruno e Matheus Sant’anna, da XP Investimentos, a aquisição é positiva para a Vamos, pois reforça a posição de liderança em concessionárias de veículos pesados da marca e praticamente não altera o nível de endividamento da empresa.
Outro destaque de alta desde o IPO é a Orizon, empresa que atua na reciclagem de resíduos sólidos, para transformá-los principalmente em energia renovável.
Em relatório sobre a empresa divulgado no final de março, a XP Investimentos questiona se a Orizon é uma “jovem gigante”. Os analistas Herbert Suede e Maíra Maldonado elevaram o preço-alvo da ação da companhia de R$ 30 para R$ 40. Nesta quarta-feira, o papel fechou valendo quase R$ 36.
A atualização ocorreu depois de algumas aquisições feitas pela Orizon, que aumentaram a capacidade de tratamento de resíduos. A empresa conseguiu também aumentar os preços da energia vendida por um dos seus parques, em Barueri (SP), e foi beneficiada pelo aumento nas cotações do crédito de carbono.
Para a XP, a Orizon ainda possui um grande potencial de crescimento, com receitas previsíveis e a dificuldade para entrada de concorrentes no segmento em que atua.
Na lista de altas, chama atenção a presença da Intelbras, com avanço de quase 30% desde o IPO. Para o analista Richard Camargo, da Empiricus Research, a empresa tem potencial para se tornar uma boa pagadora de dividendos.
“Apesar de não ser uma ação barata, essa é uma história de investimento com crescimento orgânico de 30% ao ano, capacidade de expansão de margens e perfil conservador de alocação de capital, que gera caixa”, afirma Camargo.
Há salvação para quem está em baixa?
Para Ivan Barboza, da Ártica, é difícil vislumbrar um cenário de recuperação para estas empresas. “Algumas delas têm até bom potencial, conseguem inclusive gerar caixa. Estas de repente podem encontrar um comprador, um investidor. Mas não temos nenhuma delas na carteira da Ártica.”
A Méliuz, empresa de cashback que acumula queda de 44% desde seu IPO, já adotou essa saída ao fazer um acordo comercial com o BV (antigo Banco Votorantim). Na transação, o banco adquiriu 3,85% da capital da Méliuz, com opção de comprar mais 20% que ainda são dos acionistas fundadores da empresa.
Para Barboza, a Multilaser é um dos casos que pode melhorar caso o ambiente macroeconômico fique mais favorável. “É uma empresa com boa participação de mercado no seu segmento, mas está inserida no ambiente de varejo, e depende do ciclo econômico”, diz Barboza.
Para André Fernandes, diretor de Renda Variável e sócio da A7 Capital, qualquer sinalização de queda dos juros deve ajudar na recuperação de várias destas empresas que hoje enfrentam dificuldades na Bolsa. Mas ele também recomenda cautela.
“O investidor deve tomar cuidado sobre onde investir seus recursos. Muitas dessas empresas estão extremamente endividadas em relação à média do setor, pois não conseguiram rolar ou estruturar bem suas dívidas”, diz Fernandes.
RENATO CARVALHO / Folhapress