BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – Uma das regiões mais pobres do Brasil começou a produzir um dos metais mais valorizados e estratégicos do mundo.
Há menos de um mês, em 17 de abril, a mineradora Sigma Lithium iniciou a exploração de lítio no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, em projeto com investimentos que já somam R$ 3 bilhões, sendo R$ 1 bilhão a ser aportado ao longo de 2023.
Projeção da empresa aponta que a região vai receber US$ 500 milhões (R$ 2,5 bilhões) em royalties ao longo de 13 anos com a atividade. Há outras mineradoras com prospecções em municípios próximos como Salinas, na região norte do estado.
O lítio, um metal também chamado de “ouro branco”, é utilizado na produção de baterias de automóveis elétricos, o que o torna estratégico em um momento em que a indústria automotiva busca abandonar os combustíveis fósseis.
O Vale do Jequitinhonha reúne 55 municípios, que se concentram ao longo de um rio de mesmo nome. É uma das regiões com o menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do estado.
A mina da Sigma, chamada Grota do Cirilo, fica entre os municípios de Itinga e Araçuaí e tem capacidade de produção inicial de 277 mil toneladas por ano. A segunda fase do empreendimento, em andamento e com conclusão prevista para 2024, aumenta essa capacidade para 440 mil toneladas por ano.
A reportagem tentou ao longo de dois dias contato com os prefeitos de Araçuaí e Itinga, sem sucesso.
O lítio retirado na região é em seguida processado em unidade da empresa próxima à mina, e vale aproximadamente US$ 5.000 (R$ 25.000) a tonelada no mercado mundial hoje. Em seu estado bruto, o metal é cotado a US$ 70 (R$ 350) a tonelada.
O escoamento da produção para o exterior ocorrerá pelo porto de Vitória (ES). Havia a possibilidade disso ocorrer pelo porto de Ilhéus (BA). A armazenagem do lítio, porém, exige armazéns secos e trancados, o que foi encontrado em melhores condições em Vitória.
A CEO da empresa, Ana Cabral-Gardner, não descartou a possibilidade da utilização da Ferrovia Bahia-Minas, que tem previsão para ser retomada, e passa próxima à região. A estrada chega a de Ponta de Areia, em Caravelas (BA). A estrutura portuária a ser implantada no município, no entanto, teria que passar por avaliação.
EMPRESA CONTRATA PROFISSIONAIS QUE HAVIAM DEIXADO A REGIÃO POR FALTA DE OPORTUNIDADES
A expectativa é que 1.000 empregos diretos e 6.000 indiretos sejam gerados na região com a instalação da planta.
A busca por funcionários passou por um programa criado pela mineradora chamado “Volta ao Lar”, por meio do qual a empresa contatou e ofereceu postos a profissionais que nasceram e que têm parentes na região, mas que, por falta de oportunidades, saíram da área.
“Contratamos uma engenheira química que estava em Londres, uma geóloga que estava no Canadá e um motorista de caminhão de mina que estava no Rio Grande do Sul”, afirma Gardner.
Segundo a CEO, 70% dos mil empregados da mineradora entraram neste programa. “Como os funcionários já têm relação, parentes na região, isso não gera inflação, por exemplo, nos aluguéis. É muito melhor do que trazer mil forasteiros”, argumenta a executiva.
LÍTIO NA TERRA DA CACHAÇA
A cerca de 100 quilômetros, da planta da Sigma, no município de Salinas, cidade famosa pela cachaça, já na região norte do estado, o lítio também é a próxima riqueza a ser explorada.
Segundo o prefeito Kinca Dias (PDT), a empresa australiana Latin Resources Limited prevê investimentos de R$ 600 milhões para extração do metal no município.
A mina de onde será retirado o insumo já passa por sondagens. “Será muito bom para a geração de empregos e desenvolvimento econômico da região”, diz Dias.
O prefeito, porém, frisa que o ideal é a extração e beneficiamento do lítio, assim como está ocorrendo em Itinga e Araçuaí.
“Claro que a gente sonha não com a exploração, mas com a transformação da matéria-prima. É o que queremos. O mundo está de olho no lítio. Alguns países já não fabricam automóveis a combustão”, afirma.
Um decreto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), publicado no Diário Oficial da União em 6 de julho de 2022, ajudou a impulsionar os investimentos para exploração do lítio no Vale do Jequitinhonha.
As reservas já eram conhecidas, mas havia impedimentos para exportação do metal. Com o decreto, foi facilitado o comércio exterior de minerais e minérios de lítio e de seus derivados.
‘LÍTIO VERDE’ É REDENÇÃO DE HIDRELÉTRICA IRAPÉ
No início dos anos 2000 a construção de uma hidrelétrica no Vale do Jequitinhonha pela Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais) prometia a “redenção” da região, com a atração de investimentos que ajudariam no crescimento econômico dos municípios.
A hidrelétrica, batizada de Irapé, saiu do papel durante a gestão de Itamar Franco como governador do estado (1999/2002).
A energia para a produção de lítio no Vale do Jequitinhonha sairá desta hidrelétrica. A planta foi inaugurada em 2006, mas não cumpriu o prometido. A expectativa é que, agora, isso ocorra. “Nunca houve grandes investimentos na região. Ag ora, sim”, afirma o prefeito de Salinas.
O consultor com atuação no setor de energia Aloísio Vasconcelos, que foi diretor de geração e também de comercialização e distribuição da Cemig no governo Itamar Franco, afirma que a construção da hidrelétrica desbravou a região. “Irapé foi um projeto muito importante e significativo”, diz.
O uso da energia hidrelétrica em sua linha de produção é uma das justificativas utilizadas pela empresa para afirmar que produz “lítio verde”, ou seja, que a extração do metal tem baixo impacto no meio ambiente.
A mineradora argumenta ainda que todo o rejeito que resulta do processo de beneficiamento do lítio será vendido para fabricação de produtos de qualidade mais baixa.
A possibilidade de comprar energia limpa, como a eólica produzida no nordeste, em função do sistema nacional interligado, e a proximidade de Irapé, são citadas pela CEO da Sigma como importantes para o modo de operação da Sigma.
“Somos uma empresa verde. Não fosse a energia renovável brasileira, teríamos que construir uma planta para gerar a nossa própria energia renovável”, afirma Gardner.
Na terça (9), o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), lançou na Nasdaq, em Nova York, o projeto Lithium Valley Brazil (Vale do Lítio) para tentar atrair novos investidores para o Vale do Jequitinhonha e região norte do estado.
“Queremos que o Vale do Jequitinhonha se transforme no vale da tecnologia para a produção de baterias e demais produtos de valor agregado”, disse Zema, em Nova York.
LEONARDO AUGUSTO / Folhapress